Análise: Por que o modelo ultraliberal não funciona?

Correio Braziliense
postado em 10/05/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

PETRONIO PORTELLA FILHO - Doutor em economia pela Unicamp e consultor concursado do Senado

A guinada neoliberal começou com a Dilma, em 2015, depois deu lugar ao ultraliberalismo. A magia do mercado não funcionou. Entre 2015 e 2021, o PIB do Brasil diminuiu em média 0,3% ao ano. Neste artigo vou analisar por que a idolatria ao mercado provoca estagnação em vez de crescimento exuberante.

O ambiente criado por Guedes é teoricamente favorável aos negócios. As empresas pagam salários miseráveis. Sonegadores têm as dívidas perdoadas. Acabaram com a tolice de defender direitos trabalhistas, índios e o meio ambiente. Empresários compram estatais a preço de banana e duplicam os preços. Agricultores usam como pesticidas venenos que não deveriam ser permitidos nem na guerra.

Para coroar a lei do mais forte, Guedes distribui bondades para o andar de cima e maldades para o andar de baixo. O governo federal renunciou a R$ 371 bilhões em tributos na Lei Orçamentária de 2022. Haja estímulo. Como explicar que nem assim os investidores estejam investindo?

Todo calouro de economia deveria saber a resposta. O PIB tem o lado da produção (oferta) e o lado do consumo (demanda). O ultraliberalismo estimula a produção, mas retrai o consumo. Como os dois precisam ser iguais, a oferta se contrai por falta de demanda.

O PIB brasileiro foi incorporado às estatísticas nacionais nos anos 40. O Brasil cresceu 7,3% ao ano entre 1940 e 1980 liderado pelo investimento público. Então surgiram doutrinadores da magia do mercado e da ineficiência do Estado. O neoliberalismo passou a ser aplicado com rigor crescente. Após o impeachment, Temer botou na Constituição um "teto de gastos" cujo real objetivo é encolher o Estado. Hoje somos um país estagnado.

O ultraliberalismo é baseado numa ideia digna de Einstein. Proíba o maior investidor — o Estado — de investir e o obrigue a cortar gastos na carne — que a economia vai decolar.

Façamos uma suposição. Vamos imaginar que multinacionais vieram ao Brasil e criaram empresas campeãs internacionais de eficiência, como Embraer, Petrobras, Vale, Embrapa, siderúrgicas, Correios, BB e BNDES. Fundaram universidades responsáveis por 95% da pesquisa nacional. Transformaram o Brasil num tigre econômico durante 40 anos. Faria sentido considerar tais empresas ineficientes e proibi-las de investir?

E o que dizer da Reforma Trabalhista? Ela barateou a mão de obra. Por que a reforma não criou os milhões de empregos prometidos pelos doutrinadores? Por que ela não estimulou as empresas privadas a investirem?

É a demanda, estúpido! Empresário só investe no aumento da produção quando sabe que pode vender. O consumo das famílias representa 75% do PIB. Se você reduz os empregos e empobrece os trabalhadores, a demanda interna se contrai.

Não há como o ultraliberalismo funcionar no Brasil. Ele é coisa de fanáticos. Quando estudava na UnB, o diretório era disputado por leninistas, maoístas e trotskistas. Hoje os incendiários estão na direita. Se as "reformas" não estão funcionando, a solução é aprofundá-las. Se o remédio não funciona, aumente a dose até matar o paciente. Todo sacrifício é benéfico — desde que se encolha o Estado.

O ultraliberalismo transformou pessoas decentes em insensíveis, democratas em fascistas, economistas em sabotadores da economia. Ultraliberais defendem dogmaticamente a privatização da saúde e da educação públicas — ou seja, querem obrigar miseráveis a pagar do próprio bolso o médico e a escola dos filhos.

O PIB precisa crescer 3% ao ano para criar emprego para os jovens que entram todo ano no mercado de trabalho. Estamos recuando 0,3% ao ano desde a guinada ultraliberal — e aumentando o desemprego e a exclusão social.

O ultraliberalismo não é compatível com a democracia. Pinochet só conseguiu implantar a agenda de Chicago porque governou 16 anos sem eleições. E, mesmo assim, devolveu o Chile com o dobro do percentual de pobres e 79% da renda per capita do Brasil.

Os ultraliberais de Guedes sabem que defendem um projeto elitista. Por isso, querem fechar o Supremo Tribunal Federal. Odeiam a instituição não por seus defeitos, mas por suas virtudes. Sabem que o STF impede que Bolsonaro transforme o Brasil no país de seus sonhos: uma ditadura sangrenta.

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