ELEIÇÕES

Análise: Cargos de confiança são parte da democracia

Correio Braziliense
postado em 20/05/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

FRANCISCO GAETANI - Professor da Ebape/FGV e presidente do Conselho do República.org

GABRIELA LOTTA - Professora da Eaesp/FGV e integrante do Conselho do República.org

Neste momento de iminente mudança de governos, com as eleições majoritárias que se aproximam, é importante clarificar o debate sobre o que são os chamados cargos de confiança, que fazem a ligação entre a política e a máquina da administração pública.

O atual governo preencheu intensivamente os cargos de confiança com quadros de organizações religiosas e com egressos das Forças Armadas. Governos anteriores recrutaram dirigentes no mundo sindical, no universo dos movimentos sociais, no sistema político e no ambiente acadêmico.

Todos os governos costumam lançar mão de quadros do próprio funcionalismo. Não existe um manual para isso, nem tampouco uma avaliação conclusiva sobre a melhor fórmula. O importante é que as escolhas privilegiem o bom governo e a entrega de serviços de qualidade.

Para clarear o debate, cabe fazer distinções. Cargos de confiança são os cargos que o governo tem à sua disposição para nomeação dentro de cada Poder. Em princípio, são os cargos compreendidos como aqueles que mudam com a orientação política a cada eleição.

Os cargos de confiança têm uma dupla finalidade: servir à organização no qual se situam e servir ao governo por quem foram indicados. Espera-se que atuem de acordo com os interesses do governo eleito e que traduzam as novas diretrizes políticas.

Há cargos de confiança que podem ser ocupados por pessoas externas ao serviço público e aqueles que são exclusivos de funcionários concursados. E, entre estes, há os cargos destinados apenas a funcionários da organização em questão e outros destinados a qualquer funcionário público de outros órgãos. E essas diferenças são, em geral, definidas por lei ou normas, limitando a capacidade de o governante trazer quadros externos para qualquer cargo.

Há possibilidades de captura por interesses estranhos ao interesse público nos três casos. Funcionários de carreira da organização, quando ascendem a cargos de confiança, costumam ser acusados de atentar mais para os interesses de sua corporação do que da sociedade ou da política.

Outsiders, os nomeados externos (sejam eles funcionários públicos de outros órgãos ou oriundos do mercado ou terceiro setor), são vistos com desconfiança por poderem contrabandear interesses de grupos privados fora da esfera pública ou da organização.

Os cargos de confiança são divididos em dois tipos: os que integram a hierarquia e os que são de assessoria. Os primeiros envolvem mais responsabilidades políticas e executivas. Os segundos destinam-se a atividades de apoio e assessoria a outros ocupantes de cargos de confiança. Todos são indicações situadas no âmbito do sistema político, por definição. São parte inerente à democracia, ao permitirem que o governante coloque pessoas de sua confiança (e o representem) para coordenar os órgãos governamentais.

Recentemente, e inspiradas por experiências internacionais, algumas organizações do terceiro setor têm apoiado governos estaduais a realizar processos seletivos para os cargos de confiança. As experiências são bem variadas em sua escala e proporção. Mas, nesses casos, o recrutamento para a ocupação dos cargos ocorre por um processo seletivo coordenado externamente — por meio de ONGs ou empresas —, que selecionam a partir de critérios meritocráticos que incluem uma importante novidade antiga: entrevistas.

Esses são experimentos ainda sem avaliações de longo prazo, mas que devem ser acompanhados com atenção. É mais uma opção a serviço dos governantes: abrir mão de parte de seus poderes para que terceiros conduzam a seleção de cargos, aportando credibilidade externa ao processo e evitando o ônus político de eventuais escolhas.

As motivações de um governante e de altos dirigentes para a escolha de seus auxiliares envolvem indicações partidárias, relações familiares, conexões profissionais, nomes midiáticos, insiders da máquina, networkers bem relacionados, acadêmicos reconhecidos, funcionários internacionais, entre outros. Algumas são alinhadas com objetivos associados às políticas públicas ou à gestão pública. Outras são associadas à lógica do exercício do poder ou às necessidades pessoais do dirigente com poder de escolha.

Finalmente, os cargos de confiança que ocupam posições formais de responsabilidade são aqueles dos quais se espera o exercício da liderança no comando da máquina administrativa. Liderança e ocupação de postos de autoridade não são a mesma coisa. Mas há um potencial enorme para o exercício da liderança nessas funções, ainda pouco compreendido e explorado.

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