EDUCAÇÃO

Profissionais negros na publicidade: ser minoria ou empreender?

Correio Braziliense
postado em 21/05/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

FRANCIELE FRIAS - Redatora e editora da Agência Apuan

KEVONY MARTINS - Cofundador e designer da Agência Apuan

RAFAEL SANTS - Cofundador, diretor executivo e designer da Agência Apuan

Profissionais negros são minoria no mercado de publicidade brasileira, seja qual for a área que atuem numa agência. Mesmo a entrada de mais estudantes negros nas universidades, resultado de políticas de ações afirmativas das últimas décadas e com o aumento do número de graduados negros na área de publicidade, não houve mudança expressiva do quadro.

Conforme o Observatório da Sustentabilidade Racial, apenas 15% dos cargos de diretoria em agências de publicidade são ocupados por pessoas negras. O mesmo estudo também aponta disparidades salariais, além de sub-representação em outros cargos estratégicos do setor. Uma pessoa negra na publicidade é minoria no mercado e maioria na sociedade.

No cotidiano de uma agência, muitas vezes, o desânimo se instala ao perceber que o protagonismo negro está reduzido a nichos, quando acontece, e que os materiais mais facilmente aprovados são os que reproduzem estereótipos, reforçando o imaginário que um profissional negro da área muitas vezes se preparou para combater. As barreiras para chegar ao mercado são muitas e, quando a entrada acontece, há novos obstáculos internos.

Em 2018, uma pesquisa do Instituto Locomotiva levantou dados que demonstravam que os negros brasileiros representavam 54% da população e movimentavam, em renda própria, cerca de R$ 1,7 trilhão por ano. No entanto, 72% desse grupo de consumidores consideram muito diferentes as pessoas que estão nas propagandas e 82% queriam ser mais ouvidos pelas empresas.

Representação e alinhamento com o público-alvo podem e devem ocorrer de forma mais orgânica quando profissionais compartilham — com quem vai consumir campanhas e produtos — experiências de vida, hábitos culturais e de consumo, identidades. Por isso, o discurso da diversidade no mercado de trabalho tem cada vez mais adesão, mas não basta a narrativa, tem que existir na prática, com pessoas de todos os grupos da população em posições-chave nas campanhas e nas atividades publicitárias.

O cansaço, o incômodo, a vontade de não se acomodar ou se adaptar estão no DNA da Agência Apuan, um empreendimento de jovens negros na área de publicidade criado em 2019. Um de nós idealizou a agência enquanto ainda atuava como contratado de outra e decidiu empreender para não ter mais que lidar com produtos e ideias não aprovados por priorizar presenças e referências majoritariamente negras.

Transformar o que era negado/desaprovado num diferencial dos serviços oferecidos, agregando também referências indígenas, literalmente agregou e nos empurrou ao empreendedorismo. Esse texto, facilmente poderia ser só sobre as dificuldades de iniciar uma pequena empresa e, no ano seguinte, mantê-la atuante durante a maior pandemia deste século.

Mas, é sobre como chegamos aqui e sobrevivemos a tudo isso. Muitas horas de trabalho, aprendizado constante, mais os avanços que nos fazem persistir. É na cara preta e na coragem mesmo que seguimos com a nossa proposta de fazer do design e outras linguagens da publicidade ferramentas mais acessíveis para pequenas empresas e iniciativas que se alinham com nossa visão de mundo.

Em especial, acreditamos que o design é uma ferramenta potencial para um negócio e nem sempre é acessível. Apoiar pequenos empreendedores ao mostrar suas ideias para o mundo é uma de nossas missões. Podemos não conseguir ultrapassar todas as barreiras enfrentadas, mas estamos propondo mudanças para quem atendemos e na luta para impactar quem realmente representa uma parcela gigante da população e, ainda, contribuir com a movimentação da economia.

Posicionamento é uma das exigências de quem consome, atualmente, e isso temos desde a concepção de qualquer trabalho. Nosso empreendimento foi idealizado também para mostrar que pessoas negras, LGBTQIA , indígenas são profissionais e público-alvo, não somente em datas comemorativas e da porta para fora. Somos plurais, e isso nos orgulha, o que almejamos não é apenas ganho financeiro e trabalho.

A depender do tipo de trabalho, vamos oferecer algo que torne mais fácil e eficiente a comunicação com pessoas negras, indígenas, LGBTQIA , todos os tipos de corpos e mentes, fugir do padrão "comercial de margarina", chegar no potencial público que ainda fica só no desejo de ser representado. Empreender em nosso país não é fácil. Quem começa com mais força de trabalho e talento que capital vive desafios diários de sobrevivência e criatividade. Nada disso nos falta e temos o que o mercado ainda não alcançou: diversidade na prática.

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