globalização

Artigo: Olhos bem fechados

Correio Braziliense
postado em 24/05/2022 06:00
 (crédito: kleber sales)
(crédito: kleber sales)

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

Nenhum dos integrantes da Assembleia Constituinte de 1988 percebeu, intuiu ou anteviu as mudanças que estavam ocorrendo dentro da União Soviética naquela época. O Exército Vermelho havia sido obrigado a fazer uma retirada meio vexaminosa do Afeganistão, mas ninguém neste canto de mundo percebeu a extensão daquela derrota. Na verdade, o colosso comunista estava se esfarelando. Experimentava um processo acelerado de desagregação. Um ano depois o Muro de Berlim caiu, tempos depois a União Soviética deixou de existir. Saiu da vida e entrou para a história.

O movimento ocorrido no norte da Europa mudou a política internacional. A guerra fria perdeu o sentido, porque um dos contendores passou a se preocupar com problemas políticos internos. A corrupção envolveu o que restou do antigo império. Militares e traficantes de armas fizeram fortuna vendendo equipamentos bélicos extremamente avançados. Os países vizinhos avançaram sobre o butim e liquidaram o assunto rapidamente. Dentro da Rússia os capitalistas amigos do poder conseguiram dominar e manter as principais empresas, que eram estatais. São os agora chamados de oligarcas russos. Ocorreu um processo de privatização dirigida.

O mundo mudou. A globalização que era um objetivo se tornou realidade. É difícil entender o processo histórico quando a pessoa é protagonista da história. A vitória de Barack Obama nos Estados Unidos, o primeiro presidente negro da nação norte-americana, abriu novas e melhores perspectivas para os movimentos liberais naquele país. Obama cumpriu dois mandatos corretos, caminhou um pouco mais para a esquerda, dentro dos padrões aceitáveis naquela sociedade. Porém, agora, é possível perceber: a eleição de um negro resultou na aglutinação dos supremacistas brancos. A eleição de Donald Trump veio a seguir e suas consequências são percebidas no Brasil e no mundo ocidental.

A superdireita, um tipo de fascismo renovado, muito agressivo, que não admite nenhum tipo de acordo ou negociação, é impositiva e trabalha no ataque todo o tempo. O objetivo é destruir o oponente. As consequências sempre vêm depois e quando chegam ao presidente Bolsonaro, ele não hesita em recuar, tergiversar, criar factoides e atribuir responsabilidades a terceiros. Essa tendência de atacar o adversário e cultuar o líder é tão forte que bolsonaristas não se preocupam em promover eventuais acertos do governo. As áreas em que o atual governo tem o que mostrar estão soterradas pelas toneladas de material crítico aos adversários.

O problema não é exclusivamente brasileiro. Mas, nas vésperas da eleição presidencial, os brasileiros têm assistido à guisa de debate político-eleitoral um desfilar de vaidades, acusações vazias, problemas delirantes, acordos feitos e desfeitos e nenhum projeto de política pública. O presidente Bolsonaro nunca falou sobre seu projeto de governo. Não disse antes, não vai dizer agora. Ele é candidato dele mesmo, dos filhos, das fake news. Foge de qualquer definição maior de projeto, planos ou simples indicações de caminho para áreas fundamentais como saúde, educação e infraestrutura. Ele se satisfaz com o bate-boca com os ministros do Supremo Tribunal Federal, que até, agora, só conseguiu irritar os integrantes desse círculo de acusações recíprocas.

A invasão da Ucrânia pela Rússia é um evento capaz de abalar as estruturas do comércio mundial. E do modelo de negócio brasileiro. Há uma chance real de os produtores brasileiros aumentarem a produção de milho, trigo, soja e carnes para fornecer a nações que não mais receberão produtos dos países litigantes. A indústria brasileira também poderá fornecer peças e know-how para as nações em conflito. Além disso, os consumidores de petróleo já solicitaram ao Brasil que aumente sua produção. Enfim, há uma nova ordem internacional. As novas diretrizes não vão se estabelecer por geração espontânea. Os líderes deverão perceber o novo tempo e facilitar a transição.

A globalização sofreu um grave abalo. As linhas de produção e abastecimento foram interrompidas pela pandemia e pela guerra. Já não funcionam de maneira confiável. O conceito de estoque zero com peças e equipamentos chegando em ondas sucessivas originários de países da Ásia perderam eficiência. Os carregamentos estão atrasados. Os navios não conseguem fazer as entregas, os portos estão congestionados. Os empresários serão levados a produzir no local para vender seu equipamento completo com preço e prazo certos. Ou seja, alguma coisa parecida com substituição de importações vai retornar à pauta industrial. Contudo, no Brasil, os candidatos de esquerda, direita ou mesmo os da chamada terceira via não dão a menor atenção para os assuntos que preocupam investidores em todo planeta.

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