Artigo

Artigo: Aventura, não. Missão!

O sumiço de Bruno e de Dom é o efeito colateral de uma política nefasta e predatória, que considera a Amazônia terra de "oportunidades econômicas"

Rodrigo Craveiro
postado em 15/06/2022 06:00 / atualizado em 15/06/2022 07:49
Membros indígenas da Univaja buscam pistas que levem ao paradeiro de Dom Phillips e Bruno Pereira. -  (crédito: João LAET / AFP)
Membros indígenas da Univaja buscam pistas que levem ao paradeiro de Dom Phillips e Bruno Pereira. - (crédito: João LAET / AFP)

Bruno Pereira está sentado no meio da mata. Ele se sente em casa, a Amazônia, que, um dia, abraçou como mãe e filha. Abraço de amor. O indigenista entoa o cântico da etnia Kanamary, do Vale do Javari, no oeste do Amazonas. Ao fundo, os kanamarys respondem. No vídeo, divulgado por Yura Ni-Nawavo Marubo, é quase possível ver a essência de Bruno e como ela se mistura aos nativos e à floresta. Bruno lutava por ela, pois acreditava que a Amazônia pertencia aos indígenas. Falei com Yura. "O vídeo está ligado à amizade, à fraternidade, à coragem e à valentia do povo kanamary", contou-me o indígena marubo. Yura definiu o amigo "Brunão", o qual conhecia desde 2015, como "valente e determinado". E desabafou: "Os poucos homens que enfrentam esse sistema poderoso são os mesmos que tombam por acreditarem em um país justo e igualitário. Aos povos indígenas só resta lutar e fomentar a valentia repassada por nossos ancestrais".

Quando sumiu no Vale do Javari, com o jornalista britânico Dom Phillips, Bruno estava em uma missão. Para Jair Bolsonaro, eles eram "aventureiros". Para quem ama a Amazônia, os dois atendiam a um chamado. Lutavam pela preservação do maior cinturão verde do planeta. Cumpriam o papel que caberia ao Estado, omisso, atrelado aos interesses dos agropecuaristas, dos madeireiros e dos garimpeiros; ávido por passar a boiada em nome do capital. Da mente de Dom, brotaram reportagens, sementes no meio da aridez de quem desqualifica o jornalismo e se aferra às fake news como tábua de salvação.

Em 2018, Bolsonaro comparou os índios em reservas a animais no zoológico. Nos últimos três anos, o desmatamento atingiu níveis alarmantes em um dos biomas mais ricos. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Amazônia sofreu uma devastação de 34 mil quilômetros quadrados entre 2019 e junho de 2021. Talvez nunca antes um governo tenha olhado tão pouco para a floresta. Talvez nunca antes o mundo inteiro, à exceção do governo brasileiro, tenha olhado tanto para ela.

O sumiço de Bruno e de Dom é o efeito colateral de uma política nefasta e predatória, que considera a Amazônia terra de "oportunidades econômicas". Além do estouro da boiada, transformaram a Amazônia em local onde garimpeiros, desmatadores e adeptos da caça e da pesca ilegais agem de forma impune. Bruno e Dom talvez tenham feito muito mais pela floresta do que o governo. Que os cânticos de Bruno preencham a floresta e encontrem eco no coração dos amantes da natureza. Que as palavras trabalhadas por Dom ressoem na alma de quem abomina fake news. Que os kanamarys, os marubos, os yanomamis, os ashaninkas, os tikunas, os macuxis e os integrantes de outras etnias sintam-se donos ancestrais da terra. Por Bruno e por Dom, o Brasil merece despertar. O Brasil precisa atender ao chamado da Amazônia.

 


Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.