Editorial

visão do Correio: A morte não calará Bruno e Phillips

Correio Braziliense
postado em 16/06/2022 06:00

O indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, desaparecidos desde o dia 5 último, foram assassinados, tiveram os corpos queimados e enterrados em um local na Terra Indígena Vale do Javari, no oeste do Amazonas. O crime foi confessado pelos irmãos Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como Pelado, e Oseney da Costa Oliveira, apelidado de Dos Santos, e preso na terça-feira. Ontem, agentes da Polícia Federal que investigam o caso levaram um dos assassinos para localizar os corpos das vítimas.

O macabro desfecho, após o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, era esperado. Ambos teriam sido executados por arma de fogo, disparada por um terceiro elemento ainda não identificado, segundo o depoimento de Pelado aos agentes federais. Mas quem teria encomendado o crime? É a indagação que substitui a pergunta feita desde o dia 5, tanto no Brasil quanto no exterior: "Onde estão Bruno e Dom Phillips?"

No primeiro momento, as suspeitas recaem sobre pescadores clandestinos e aliados de narcotraficantes, cujas atividades eram denunciadas por Bruno Pereira. Ele, reconhecido como um dos mais experientes indigenistas dos tempos atuais, lutava, ao lado de líderes indígenas, contra a pesca predatória, o desmatamento e os garimpos ilegais que avançam sobre a Terra Indígena Javari, que abriga 26 etnias, a maioria delas isolada da convivência com os não índios.

Bruno Pereira estava na mira dos marginais, segundo as ameaças que chegaram a ele e à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) por meio de bilhetes. Phillips acompanhava o amigo para colher dados que dariam origem a um livro. Ambos foram vítimas de uma emboscada covarde no Rio Itacoaí, sem chances de defesa. A segurança da TI Javari, com área de 85 mil km², é feita por cinco integrantes da Força Nacional, uma equipe insuficiente para conter quaisquer ilicitudes e crimes que ali ocorram, entre elas a criação de rotas para o tráfico de drogas e contrabando de armas, sejam brasileiros, sejam dos países vizinhos Peru e Colômbia.

A fragilidade da vigilância e da segurança são indiscutíveis, sobretudo, quando a maioria da população é formada por indivíduos isolados, sem qualquer domínio do comportamento ou dos códigos sociais dos "brancos", como ocorre no Vale do Javari e se estende por outras terras ocupadas pelos povos originários. Há muito, os territórios indígenas são invadidos por madeireiros, garimpeiros, pescadores e caçadores ilegais que envenenam os rios, contaminam os alimentos e disseminam doenças. Estupram crianças, adolescentes e mulheres, matam homens e jovens. As investigações, em sua maioria, não levam aos vilipendiadores das vidas dos povos originários.

As ações do poder público e dos órgãos responsáveis são ineficazes para conter o morticínio que ocorre nessas áreas. Além da ineficiência, as políticas públicas em curso mais estimulam a violência do que protegem os povos originários e tradicionais do país. Partem do Executivo propostas que incentivam a mineração, a redução das reservas e a não punição dos predadores do patrimônio natural. Impõem-se ao governo a revisão de suas decisões e uma correção de rumo das políticas ante a deterioração da imagem do Brasil entre as demais nações e que o consagra incapaz de conter as agressões contra os povos originários e tradicionais, ambientalistas e ativistas dos direitos humanos. O verdadeiro Estado democrático de direito não se insurge contra os ditames constitucionais nem compactua com a impunidade. As vozes de Bruno e Phillips continuarão ecoando.

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