ARTIGO

Artigo: marco temporal volta ao debate; por Rosane Garcia

Rosane Garcia
postado em 20/06/2022 07:01
 (crédito: CARL DE SOUZA)
(crédito: CARL DE SOUZA)

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá retomar, na próxima quinta-feira (23/6), o julgamento do marco temporal sobre as terras indígenas. Trata-se de uma tese elaborada pelos adversários dos povos originários, que embasa uma ação judicial do governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, deslocados do seu território, devido à construção da Barragem do Norte, em Itajaí, que inundou aldeias e dispersou o grupo por vários municípios catarinenses.

O processo tomou como precedente a decisão da Corte, em 2009, a favor dos cinco povos —Ingarikó, Macuxi, Patamona, Taurepang, Wapichana — que vivem na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em uma área de 1.747 hectares, habitada por mais de 26 mil pessoas. A Corte considerou que os indígenas ocupavam a área quando foi promulgada a nova Constituição, em 5 de outubro de 1988. Assim, os adversários querem que a data de vigência da atual Carta Magna seja referência para o reconhecimento das terras indígenas. O grupo que não comprovar que em outubro de 1988 estava na área que habita pode ser despejado em favor dos mais diferentes interesses.

A derrota da tese poderá acirrar ainda mais as divergências entre o governo e a Alta Corte. O Palácio do Planalto defende o marco temporal. Argumenta que a rejeição da tese criará insegurança jurídica e inviabilizará o agronegócio. Sem antecipar como reagiria em caso de derrota, o governo garante ter uma resposta pronta.

Para o relator do processo, ministro Edson Fachin, é descabida a ideia de que os povos originários só podem reivindicar o domínio de um território se lá estivessem em 1988. Ele afirma que o caso Raposa do Sol não é precedente, pois, se assim o fosse, seria "inviabilizar todas as demais etnias". No entendimento do magistrado, "quem não vê as diferenças não promove a igualdade". Uma vitória da tese do marco temporal significaria a suspensão de todos os processos judiciais, ainda que paralisados, de demarcações de terras indígenas no país.

O marco é mais uma aberração entre as muitas atrocidades que ocorrem contra os povos indígenas, os primeiros habitantes do país. Significaria legalizar o esbulho possessório. Apesar de criminosas, as invasões de territórios dos povos indígenas ganharam escala no atual governo. Eis uma das razões que levou à covarde execução do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips. A mesma barbárie é, diariamente, enfrentada pelo povo Yanomami e pelos vários grupos que sofrem com o assassinato de seus líderes, jovens e crianças, e com violência sexual que vitima mulheres e adolescentes.

A história está repleta de dramas causados pelo esbulho das terras indígenas. Um dos mais gritantes episódios ocorre, há décadas, com o povo Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso Sul. Asfixiado pela pressão dos inescrupulosos invasores, esse povo tem os mais elevados índices de suicídio. Se vitoriosa, a tese do marco temporal será uma das mais poderosas armas para o avanço da política de extermínio dos povos indígenas, fortalecendo as iniciativas do poder público voltadas ao etnocídio.

 


Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.