Visão do Correio: Desrespeito e falta de ética

"Embora consolada por uma rede de amigos e fãs, a atriz Klara Castanho foi vítima não só de estupro que resultou em uma gravidez indesejada. Ela foi revitimizada ao ter a privacidade devassada"

Correio Braziliense
postado em 28/06/2022 06:00
 (crédito:  Pixabay/ reprodução)
(crédito: Pixabay/ reprodução)

Embora consolada por uma rede de amigos e fãs, a atriz Klara Castanho foi vítima não só de estupro que resultou em uma gravidez indesejada. Ela foi revitimizada ao ter a privacidade devassada, ameaçada por uma profissional de saúde e execrada nas redes sociais por optar doar o recém-nascido. A decisão pessoal da atriz está amparada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Entre o aborto e a vida, ela fez a segunda opção.

Karla cumpriu todas as etapas previstas na lei, cujo processo judicial corre sob sigilo. Mas faltou ética e respeito à profissional de saúde e aos jornalistas, blogueiros e veículos de imprensa que, em cumplicidade, revelaram o episódio à opinião pública. Desrespeito criminoso de todos que expuseram uma jovem de 21 anos ao julgamento da sociedade, na contramão do que estabelece a legislação.

Há menos de 15 dias, o aborto legal por estupro de vulnerável, previsto em lei, colocou em evidência o sofrimento de uma criança de 11 anos. Em vez de tratar o assunto, como estabelece a legislação, uma juíza catarinense tentou convencer a vítima a levar a gravidez adiante, até que o feto pudesse ser retirado com vida, apesar de a precoce gestante correr risco de morte.

A tragédia da criança catarinense é recorrente no país. Em plena pandemia do novo coronavírus (2020), ocorreram 60.460 estupros no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A maioria das vítimas (73,7%) era de vulneráveis, ou seja, incapazes de consentir a relação sexual. Desse universo, 86,9% eram do sexo feminino, sendo que 60,6% tinham até 13 anos. Uma barbárie, produzida por elementos sem quaisquer princípios de civilidade.

Quantas crianças não engravidaram? Quantas não morreram por causa dessa violência? Quais os distúrbios psicossociais não se tornaram marcas para o resto da vida? São questões, entre outras, que ninguém responde, mas, como donos da verdade, apontam o dedo para acusar e rotular de assassina a mulher ou a adolescente que escolhe interromper a gravidez. O algoz é vítima, e não quem a agrediu.

Hoje, tornou-se comum banalizar a vida e os mais básicos valores civilizatórios. O poder público trafega entre a omissão e a tentativa de impor políticas superadas pelos ditames legais, que significaram avanços em relação aos direitos das mulheres, das crianças e de diferentes outras camadas do tecido demográfico nacional. Assim, prevalece o "eu acho" (opinião pessoal), pautado numa ideologia nociva, mesmo que a escolha atropele a legislação, desvirtue os fatos e macule a imagem e os direitos humanos.

Faz-se essencial uma revisão das políticas públicas, com base no que estabelece a Constituição, o ECA e outros marcos infraconstitucionais, que tiraram o país do primitivismo do passado e o guindou à contemporaneidade. Mais: é fundamental ressuscitar o respeito e a ética a qualquer pessoa ante as suas escolhas individuais e ao direito das mulheres sobre o próprio corpo.

 


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