eleições

Artigo: Não podemos jogar a toalha

Correio Braziliense
postado em 05/08/2022 06:00
 (crédito: Orlando Brito)
(crédito: Orlando Brito)

ORLANDO THOMÉ CORDEIRO - Consultor em estratégia

Estamos a menos de 60 dias das eleições e, como sempre, as atenções da população e da mídia estão voltadas para a disputa presidencial e dos governos estaduais. Recente pesquisa da Quaest feita para o RenovaBR trouxe informações interessantes para entendermos esse quadro. Oitenta e seis por cento dos entrevistados consideram que seria desejável uma renovação no Congresso Nacional. Já 66% não aprovam o trabalho do parlamento brasileiro e o mesmo percentual indica quem não se lembra em qual deputado votou nas últimas eleições. O desinteresse pelo Legislativo fica patente ao vermos as respostas para três perguntas: 55% afirmam não saber o que faz um deputado; 66% ainda não escolheram em quem votar neste ano, sendo que 36% só pretende pensar no assunto na última semana antes do primeiro turno.

Depois do vendaval que atingiu as eleições de 2018, com a vitória nas urnas de uma série de parlamentares que surfaram na onda anticorrupção, incluindo o presidente, o que se viu foi uma articulação para jogar no lixo o legado da Lava-Jato. Esse processo só foi possível graças à participação destacada de Bolsonaro, da maioria do Congresso e da maior parte dos ministros do STF.

Adicionalmente, a decepção com a desconexão entre discursos e prática por parte das bancadas eleitas em nome da renovação e da autointitulada "nova política" faz com que parcela significativa da população esteja disposta a recolocar no parlamento algumas figuras tradicionais que foram fragorosamente derrotadas há quatro anos. Só a título de exemplo, nomes como os de Eduardo Cunha (PTB) e José Roberto Arruda (PL) disputarão uma vaga de deputado federal, respectivamente, por São Paulo e Distrito Federal, aparecem com grande chance de serem vitoriosos.

Enquanto isso, o Congresso Nacional, sob a hegemonia do Centrão, vai promovendo diversas medidas com o objetivo de aumentar seu poder, independentemente de quem venha a ocupar o Palácio do Planalto pelos próximos quatro anos. Uma das mais relevantes foi a aprovação, em junho de 2021, de uma alteração na Lei da Ficha Limpa prevendo um "excludente" de inelegibilidade a candidatos que tiveram as contas rejeitadas aos casos em que não houve imputação de débito e que tenham sido sancionados "exclusivamente com o pagamento de multa". Na sequência, em outubro passado, a lei da improbidade administrativa passou a ter uma nova redação garantindo que gestores públicos só possam ser condenados caso fique comprovada a real intenção de dolo. Resta saber se sua aplicação terá efeito retroativo e a decisão final será do STF que, nesta semana, começou o julgamento desse aspecto da lei. Segundo diversos jornalistas com acesso aos ministros do Supremo, a tendência é a que seja garantida a retroatividade.

Por mais que seja difícil mudar esse quadro, é alvissareiro identificar a existência de diversas iniciativas da sociedade civil voltadas ao trabalho com foco nas eleições legislativas. Também é digno de nota acompanhar um número cada vez maior de jornalistas e colunistas dedicando um espaço relevante em suas análises, chamando a atenção para a importância de ser eleito um parlamento federal que venha a ser caracterizado por uma atuação democrática e republicana. Nesse sentido, algumas propostas precisam ser priorizadas, compondo uma pauta a ser defendida por uma bancada pluripartidária. Com certeza, dois pontos deverão ser os primeiros, a saber: fim do orçamento secreto, um caminho aberto para o desvio de recursos públicos, como mostrado em inúmeras reportagens de diversos veículos de mídia; e mudança radical dos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, reduzindo os poderes quase imperiais concedidos às respectivas presidências.

Em paralelo, é necessário iniciar o debate em torno de uma ampla reforma política, incluindo a transição para o sistema distrital, puro ou misto, como maneira de permitir uma maior aproximação do parlamentar com seu eleitorado. O atual sistema proporcional faz com que as pessoas votem em um candidato, mas acabam elegendo outro com o qual não têm qualquer proximidade. Outra vantagem é a natural redução do custo das campanhas eleitorais. É certo que a próxima legislatura do Congresso Nacional terá a presença de políticos experientes contrários às mudanças aqui propostas. Caberá à sociedade civil um papel determinante, apoiando parlamentares alinhados às ideias acima para construir os caminhos que permitam torná-las realidade. Um ótimo exemplo foi o movimento que culminou com a aprovação da Lei da Ficha Limpa. Não podemos jogar a toalha.

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