Análise

Artigo: Mente em segundo plano

A dor psíquica passa boa parte do tempo mascarada. Às vezes, pelo indivíduo, receoso de se abrir e abordar o incômodo

Jéssica Eufrásio
postado em 08/08/2022 06:00 / atualizado em 08/08/2022 11:39
 (crédito: Arte/CB )
(crédito: Arte/CB )

Por um período excessivamente longo, situações que envolviam saúde mental permaneceram em segundo plano. De algumas décadas para cá, porém, veem-se avanços: a instituição de semanas ou meses dedicados ao assunto; o reconhecimento que a psicoterapia ganhou no senso comum como ferramenta para desenvolvimento individual e autoconhecimento; os debates sobre os desafios da desinstitucionalização, que chegam a públicos diferentes daqueles diretamente envolvidos no processo; além do fortalecimento dos serviços de apoio, para torná-los mais acessíveis.

Ainda assim, mudanças de paradigmas enfrentam entraves, especialmente quando têm relação com questões da mente. Ao contrário de um ferimento físico, danos emocionais nem sempre são perceptíveis. Primeiro, por não serem visíveis ou palpáveis; segundo, porque requerem avaliações menos objetivas do que testes capazes de detectar doenças provocadas por vírus e bactérias, por exemplo.

A dor psíquica passa boa parte do tempo mascarada. Às vezes, pelo indivíduo, receoso de se abrir e abordar o incômodo. Em outras ocasiões, mantém-se oculta dos próprios acometidos por ela, pois perceber-se como alguém afetado por inquietações mentais mais severas do que de costume pode ser uma tarefa desafiadora. Para completar, exige diagnóstico clínico — portanto, depende da busca por ajuda profissional, o que geralmente ocorre só após manifestações físicas do quadro.

A resistência em tratar de emoções, sentimentos, transtornos e doenças tem forte conexão com uma construção social que estabelece parâmetros comportamentais, de atributos e que coloca a produtividade incessante como ideal de sucesso. Assim, os estigmas que rondam a saúde mental se estendem para o ambiente profissional, em que ela também virou tabu. Ontem, reportagem do Correio abordou a síndrome de burnout e mostrou que o Brasil é o segundo país mais afetado pelo distúrbio, caracterizado por estresse crônico, tensão emocional e esgotamento decorrentes de condições ocupacionais desgastantes.

A pandemia da covid-19 teve implicações sobre esse desfecho. E, da mesma forma que afetou o bem-estar da população, levou empresas e países a repensarem configurações de trabalho. Entre as medidas adotadas estão jornadas diárias menores, adaptação ao formato híbrido e semanas com quatro dias úteis.

O molde "de sucesso" até então seguido por inúmeras startups e grandes corporações, com espaços descontraídos nos escritórios para dar a impressão de que os funcionários têm um local amigável e criativo onde virar madrugadas, começa a abrir caminho para transições favoráveis e urgentes à saúde de quem produz. Apesar disso, evoluções como as mencionadas ao longo deste texto não serão suficientes se os temas relacionados à psique continuarem relegados à condição da insignificância. Enquanto isso prevalecer, não haverá estabilidade mental que se sustente.

 

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