militância

Artigo: De volta a 1977

Correio Braziliense
postado em 19/08/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

ORLANDO THOMÉ CORDEIRO - Consultor em estratégia

Em 1977, eu, estudante de engenharia na UFRJ, um jovem de 19 anos e iniciando minha militância política, participei de uma manifestação pela anistia realizada nos pilotis da PUC. Era parte da luta contra a ditadura. As ruas próximas estavam tomadas de PMs e militares, numa clara atitude intimidadora. Durante o ato, helicópteros faziam sobrevoos rasantes, provocando um barulho ensurdecedor.

Nada disso impediu a realização do ato que reuniu centenas de estudantes de várias universidades, sendo um marco histórico. A partir dali, o movimento de resistência ganhou musculatura, passando pela vitória acachapante da oposição nas eleições de 1978 e 1982, culminando com a eleição de Tancredo Neves em 1985, pondo fim oficialmente ao período autoritário.

Agora, 45 anos depois, no último 11 de agosto, eu me vi novamente naqueles mesmos pilotis, em uma manifestação em defesa do estado democrático de direito que aconteceu em várias capitais do país. Sem dúvida, foi um momento marcado por uma mistura de emoções. De um lado, a oportunidade de reencontrar diversos amigos e amigas que estiveram também naquela manifestação em 1977 e com quem convivi na militância política ao longo de décadas. De outro, uma sensação de tristeza e melancolia por estarmos sendo obrigados a voltar às ruas com a mesma agenda para resistir à escalada de retrocessos em curso desde a vitória do atual presidente em 2018.

Porém, o mais importante foi a clara demonstração de que parcelas significativas da sociedade civil brasileira estão dispostas a lutar pela preservação da democracia e das instituições republicanas. Nessa mesma direção, tivemos outro fato muito importante na última terça-feira, qual seja o evento de posse de Alexandre de Moraes como presidente do TSE. Contando com a presença de praticamente todos os ex-presidentes (à exceção de Fernando Henrique por motivos médicas), 22 governadores, 40 embaixadores e diversas outras autoridades.

O ponto alto foi o discurso contundente feito pelo novo presidente do tribunal, cujos trechos iniciais deram o tom, como se pode ver na transcrição abaixo: "A cerimônia de hoje simboliza o respeito pelas instituições como o único caminho de crescimento e fortalecimento da República, e a força da democracia como único regime político, onde todo o poder emana do povo e que deve ser exercido pelo bem do povo". Somos 156.454.011 eleitores aptos a votar. Somos uma das maiores democracias do mundo em termos de voto popular. Estamos entre as quatro maiores democracias do mundo. Mas somos a única democracia do mundo que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia, com agilidade, segurança, competência e transparência. Isso é motivo de orgulho nacional".

Nessa hora, boa parte dos presentes reagiu com aplausos efusivos, num evidente recado para quem tem atacado sistematicamente as urnas eletrônicas com a clara intenção de gerar desconfiança em segmentos da população. Aliás, o filho do mandatário maior do país, que estava na plateia, fez questão de mostrar sua contrariedade, passando recibo por saber ser um dos principais destinatários da mensagem.

E qual o saldo que fica? Bem, apesar de continuarmos a assistir o bolsonarismo insistir na narrativa de ataque ao STF e às urnas, é evidente que eles ficaram mais isolados. Também contribuiu para esse isolamento o comparecimento do presidente à solenidade, ainda que nitidamente constrangido.

É claro que ele já retomou a convocação para os atos do 7 de Setembro. Trata-se de uma reação esperada, principalmente diante da dificuldade de sua candidatura, conforme apresentada nas últimas pesquisas. Como já escrevi anteriormente, não vejo motivos para preocupação com a possibilidade de um golpe em caso de sua derrota eleitoral. O evento do TSE, inclusive, foi uma espécie de freio às ameaças.

O real risco para a democracia, para o qual devemos ficar atentos e mobilizados, seria a reeleição do presidente. Sua vitória em outubro é improvável, mas não impossível, e representaria um golpe por dentro do próprio regime como já aconteceu em outros países. Refiro-me às nomeações de ministros de tribunais superiores e de desembargadores da segunda instância, às tentativas de tirar autonomia dos governadores sobre as polícias militares e ao crescimento do bolsonarismo como uma milícia armada em decorrência da liberação indiscriminada de armas. Diante de tal ameaça, só resta aos democratas caminharem unidos para evitar, pelo voto, que esses retrocessos se concretizem. Afinal, não podemos permitir uma volta a 1977.

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