mudanças climáticas

Artigo: Democracia hídrica

Correio Braziliense
postado em 20/09/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

ALDO PAVIANI - Geógrafo e professor emérito da Universidade de Brasília

Há inumeráveis países que passam pelos efeitos desastrosos das mudanças climáticas, ou seja, o que há de pior nelas, secura que se prolonga por meses ou anos. Por isso, no caso do continente africano, pode receber a ajuda humanitária da União Europeia, em termos de milhões de euros para mitigar a falta de chuvas e a seca implacável.

Essa ajuda permitiu a sobrevivência de povos e rebanhos da África. Aliás, nesse continente, há países que enfrentam a pior seca do século, segundo reportam notícias divulgadas por grandes jornais. Se a ajuda humanitária e ações emergenciais não forem mantidas por algum tempo, os africanos continuarão a sofrer as condições da secura e haverá muitas mortes a lamentar.

O mesmo acontece no Brasil. Em nosso país, a falta de chuvas afeta algumas regiões como o sertão nordestino e, presentemente, no Centro-Oeste, onde a neblina das queimadas se abate sobre muitos territórios da região. No caso específico do Distrito Federal, se alternam o período chuvoso, mais intensamente nos meses finais e iniciais de cada ano.

Presentemente, o DF atravessa forte estiagem, que estimula alguns agricultores a "limpar o terreno" com incêndio da vegetação esturricada, controlada ou não. Como é o caso da Flona, a Floresta Nacional com incêndio, apesar do intenso combate por parte dos bombeiros. Esses incêndios acabaram por eliminar lobos-guarás e muitas cobras que não se safaram do fogo intenso, que dura dias.

No caso de escapar ao controle, esses incêndios afetam largas porções do território e serão devastadores, inclusive com o fogo atingindo animais silvestres que não escapam das labaredas. A névoa que abrange grandes territórios parece influir na formação de nuvens propícias às precipitações atmosféricas. Então, as ações antrópicas, nesse caso, se aliam à temporada seca em prejuízo ao meio ambiente, às pessoas, animais e plantas.

Alguém pode questionar esse fato, acreditando que o ambiente natural se "regenera" no devido tempo com a umidade que substitui a secura na região. De fato, muitas plantas possuidoras de cascas grossas estão relativamente protegidas do fogo, mas muitos animais não sobrevivem à passagem do incêndio. Isso precisaria ser mais bem avaliado pelas instituições que se ocupam do meio ambiente.

Por vezes, os jornais e o noticiário das televisões mostram animais que não resistem ao fogo. Se for possível, a polícia ambiental poderia investigar se a origem dos incêndios foi um descuido ou ação de grileiros que desejam se apossar de terras desocupadas do governo ou de proprietários rurais. No caso da grilagem, presume-se que possa haver um combate a essa prática e a reversão dos territórios aos seus legítimos proprietários, seja ao estado ou os proprietários das terras.

Retornando à democracia hídrica, um tema que leva a pensar nas interferências climáticas que interferem para que a água não chegue a todos. É o caso de alguns países, como o Iêmen, objeto de matéria do matutino Correio Braziliense do dia 14 último, onde a escassez de água se deve a uma onda de calor extremo com crises cada vez mais recorrente.

E, o que é pior, a falta d'água afeta justamente os países mais pobres. Na notícia, há um depoimento do cientista da Universidade da Austrália, o professor Neville Nicholls, em que adverte: "O mundo não será capaz de conter os impactos deletérios dos gases do efeito estufa".

O Brasil também não implanta políticas públicas para que os efeitos dos gases do efeito estufa sejam minimizados ou contidos. Não se pensa em estocar águas das chuvas que ocorrem no período úmido para que sejam aproveitadas no tempo seco como o último que enfrentamos. Por certo, realizar ações de planejamento em muitas áreas estratégicas está tardando.

De fato, urge pensar o futuro para estabelecer planos úteis para a população e para o ambiente natural. Julga-se que não é usual se pensar em ações para evitar os danos do tempo seco aos brasileiros e à sua natureza. Isso não é de hoje, porque sempre se pensou nas riquezas de seu enorme território, rico por sua natureza. O pensamento imediatista não é apenas dos brasileiros, ele se espalha pelo resto do mundo, principalmente em países pobres do Terceiro Mundo.

Na atualidade, esses países enfrentam secas e são preocupação da Organização das Nações Unidas (ONU). Nessa instituição mundial, afirma-se que a "Terra segue para um campo de destruição", segundo o que noticiou o Correio Braziliense, referido acima. Tem procedência a recomendação do pesquisador Nicholls de que "deveremos desenvolver métodos para nos adaptar às mudanças climáticas". Ações concretas de proteção ambiental evitarão danos irreversíveis ao planeta. O alerta chega em tempo útil para que se tomem as medidas preconizadas pela ciência e se atinja plena democracia hídrica ou água para todos.

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