MARCELA GOMES GAMBARDELLA - Advogada das áreas de direito digital e proteção de dados
Se antes o contato do consumidor com os mais diferentes tipos de negócios se dava unicamente através de lojas físicas e, mais recentemente, acessando deliberadamente o site próprio de determinada marca, hoje as opções de visibilidade e transações relacionadas a produtos e serviços tomaram outra forma e proporção. As plataformas digitais vêm aumentando essa integração com relevância crescente no cenário econômico. O acesso fácil e dinâmico desses produtos e serviços, em primeira análise, aparenta oferecer vantagens para todas as partes envolvidas.
O consumidor pode escolher entre inúmeras opções e realizar transações mais práticas e com menor custo; as empresas conseguem ofertar seus produtos e serviços para um maior número de consumidores e, consequentemente, aumentam sua lucratividade; as plataformas ganham usuários e garantem sua posição de dominância em ofertar serviços digitais, concentrando anunciantes e atraindo investidores.
Ao mesmo tempo em que as vantagens dessa integração são explícitas, existem características e elementos que podem apresentar riscos ao mercado como um todo, mas especialmente às contas empresariais, que dependem das plataformas para anunciar e vender seus produtos e aos consumidores, sob o ponto de vista das plataformas, que podem ter alguns direitos ameaçados.
Em razão da relevância e domínio do mercado digital, as plataformas mais utilizadas para comunicação, entretenimento, anúncios e vendas podem explorar as tecnologias empregadas por elas de forma a concentrar decisões que afetam todos, sendo comum, também, utilizar as informações e dados compartilhados com elas em benefício próprio.
Entre os inúmeros efeitos causados pela concentração de serviços oferecidos por poucas gigantes digitais, destaca-se a dependência comercial que as empresas anunciantes e os consumidores finais têm em relação à plataforma. São elas que dominam o mercado digital e estabelecem as regras. Cabe aos anunciantes somente aceitar os termos e regras de uso, se quiserem continuar utilizando tais serviços. É como funciona, pelo menos até o momento.
Enquanto os efeitos dessa posição dominante e um tanto quanto arbitrária vêm sendo notados, há alguns esforços para balancear interesses, delimitar responsabilidades e impor maior transparência nas ações tomadas pelas plataformas digitais de destaque. O maior desses esforços, atualmente, se dá em contexto europeu. A Comissão Europeia vem se empenhando para aprovar, de forma definitiva, a Lei dos Mercados Digitais e a Lei dos Serviços Digitais. Em março de 2022, ambas ganharam força de acordo político entre o Parlamento Europeu e os Estados Membros da União Europeia.
Saiba Mais
Em síntese, as duas legislações fazem parte de um pacote para um ambiente digital mais responsável, transparente e com regras de concorrência mais justas. Em relação à Lei dos Mercados Digitais, os esforços se concentram em iniciativas para definição de quais plataformas atuam como gatekeepers, ou seja, aquelas que têm posição de dominância no mercado digital e que acabam por tomar decisões que afetam todo o mercado digital de forma unilateral, como previamente mencionado. Por definição, são as plataformas que controlam serviços centrais na internet e oferecem seus serviços para mais de 45 milhões de usuários e 10 mil contas comerciais na União Europeia mensalmente.
A proposta legislativa visa estabelecer algumas proibições a essas plataformas em relação aos usuários de contas empresariais como, por exemplo, proibir que tais plataformas deem preferência aos próprios produtos e serviços na ordem de exibição e de alcance aos demais usuários. Os gatekeepers deverão permitir que os usuários desinstalem os softwares-padrão e que acessem os dados tratados pela plataforma.
Em relação a uma maior responsabilidade e transparência por parte das plataformas há diversas outras disposições no pacote de reforma do mercado digital. Chama-se a atenção para as tentativas da legislação em estabelecer, também, proibições referentes ao uso de dados pessoais de crianças e de obrigar os gatekeepers a inserirem mecanismos fáceis para que os usuários possam se descadastrar de serviços relevantes oferecidos pelas plataformas digitais, que até então, não dão esse poder de escolha para os usuários.
As propostas são pretensiosas, mas necessárias. Não é sequer preciso um exame aprofundado sobre os modelos de negócio utilizados pelas gigantes do mercado digital para saber que os recursos a que elas têm acesso podem ser abusivos. No mais, para que o saldo seja positivo, medidas resolutas para eliminação do desequilíbrio causado pela posição de dominância das plataformas digitais devem entrar em jogo.
No geral, para que os usuários tenham acesso a serviços transparentes e mais seguros de forma a incentivar a inovação, práticas desleais devem ser eliminadas e a responsabilidade das dominantes deve ser delimitada. A contenda, no entanto, tende a percorrer um caminho de resistência e desafios no campo regulatório.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.