preconceito

Artigo: Orgulho do filho do motoboy

Sibele Negromonte
postado em 17/10/2022 06:00
 (crédito: LINCON ZARBIETTI)
(crédito: LINCON ZARBIETTI)

“Eu sou playboy, não tenho culpa se o seu pai é motoboy.” Mais do que me chocar, o vídeo que mostra um grupo de estudantes de medicina da Universidade Iguaçu (Unig), no estado do Rio de Janeiro, entoando esses gritos ofensivos em coro me entristece. E me faz questionar: onde falhamos como sociedade?

As cenas horrendas e preconceituosas ocorreram durante os Jogos Universitários de Medicina (Intermed), que reuniu alunos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, no município de Vassouras (RJ). Em outro trecho do vídeo, os jovens continuam: “Meu dinheiro não acaba”.

Vivemos num país desigual e não há perspectiva de que isso mude tão cedo. Até 2024, mais da metade da população brasileira deverá estar nas classes D e E, como aponta estudo da Tendências Consultoria, da empresa InfoMoney. E apenas 2,8% serão da classe A — com renda acima de R$ 22 mil —, como provavelmente faz parte a maioria daqueles jovens. Isso sem falar nos 61,3 milhões de brasileiros que não têm, hoje, garantia de alimentação.

Esse cenário desigual não pode ser motivo de “orgulho”, sobretudo para aqueles que representam parte do futuro da nossa nação. Como mãe de um adolescente de quase 16 anos, que, em breve, deve ingressar na faculdade, mais que me chocar e entristecer, as cenas me preocupam.

O que ainda me consola é que não estou sozinha. Assim que o vídeo viralizou, uma onda de indignação tomou conta das redes sociais. E, enquanto a direção da universidade soltou uma nota isentando-se da responsabilidade pelo ato dos alunos, o prefeito de Vassouras, onde ocorreu o evento, baniu os estudantes da Unig da cidade e multou a instituição de ensino do campus de Itaperuna (RJ). O valor, que não foi divulgado, será revertido na compra de uma moto a ser sorteada entre os motoboys do município.

“Essa faculdade não participa mais de jogos aqui na nossa cidade. Os estudantes são bem-vindos aqui, mas têm que ter respeito, principalmente respeito com o ser humano”, afirmou o prefeito Severino Dias (DEM), em uma rede social.

Orgulho mesmo devemos ter de Anderson Ferreira Bastos, 23 anos, estudante de medicina da Unig e filho de motoboy. Em um vídeo divulgado no Tik Tok, ele gravou uma resposta aos colegas. “Ainda bem que sou exceção entre essa galera aí, não me representa nem um pouco. Orgulho demais do meu pai ter trabalhado esses anos todos pra me formar, na raça. Isso eles nunca irão sentir, e ainda querem justificar.” Que eles aprendam essa lição!

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