HELENA B. NADER - Presidente da Academia Brasileira de Ciências e professora titular da Unifesp
Nas duas últimas décadas, o mundo foi deixando para trás os resquícios da sociedade industrial do século 20 e entrou em nova era: a da sociedade do conhecimento. Nesse processo que vem revolucionando a maneira com a qual nos relacionamos com o saber, os países focam no desenvolvimento de suas capacidades para criar conhecimento científico e tecnológico, tendo por objetivo maior a melhoria da condição humana. Educação e ciência surgem, assim, como pilares de sustentação para uma vida digna no século 21.
O Brasil, no entanto, caminha para terminar este quarto de século mais distante da sociedade do conhecimento do que estava em 2000. Os próximos anos precisarão ser de reconstrução dessas bases para, a partir delas, firmar as pontes que nos levarão mais para perto do que já acontece nos países desenvolvidos.
O relatório O Estado da Educação Global (The State of Global Education), publicado em setembro de 2021 por Unesco, Banco Mundial e OCDE, apontou que 28 dos 38 membros da OCDE (75%) aumentaram o orçamento da educação nos primeiros 18 meses de pandemia, em resposta aos impactos da covid-19. Considerando-se apenas o ensino superior, 24 países haviam reportado um aumento de recursos para as universidades em relação ao ano anterior em 2020. No ano seguinte, já eram 30 (81%) os que expandiram as verbas para o ensino terciário.
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O Brasil tomou o caminho inverso. Levantamento do Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (Sou Ciência), da Unifesp, divulgado recentemente, mostra que o investimento nas universidades federais caiu 50% entre 2019 e esses últimos meses de 2022: de R$ 193 millhões para R$ 97 milhões. O quadro é ainda mais sombrio quando se observa que os recursos para custeio e assistência estudantil encolheram 45% no mesmo período. Não à toa, movimentos estudantis, sociais e sindicais convocaram, no último dia 18, mobilização nacional: quase não dá para pagar água e luz das instituições federais de ensino superior.
O tratamento dispensado às universidades públicas é incompatível com a sua importância para o setor de pesquisa e desenvolvimento no país. Se não fosse a ação primordial dessas instituições nos meses mais duros da pandemia, não teríamos tido respostas rápidas à crise, como a criação de respiradores, a realização de ensaios clínicos e o desenvolvimento de vacinas. A atuação competente foi reconhecida pela sociedade brasileira, que considera os cientistas de universidades e de institutos públicos "os profissionais mais confiáveis do país", como apontam diferentes pesquisas de opinião realizadas ao longo deste ano. Imagino o grau de inovação que seríamos capazes de atingir se não fossem os seguidos contingenciamentos de recursos e os desvios de finalidade de mecanismos tão essenciais à continuidade da ciência, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Para alcançar algum protagonismo na era do conhecimento, da big data e da disseminação da informação, o Brasil precisa urgentemente se comprometer com estratégias compatíveis. Nos próximos anos, a inteligência artificial e as novas tecnologias vão continuar revolucionando o mercado de trabalho. A qualificação da nossa juventude é uma necessidade urgente, se quisermos evitar que essa transformação profissional crie ainda mais desigualdades do que já temos. A hora de investir simultaneamente em todos os níveis educacionais, da creche à universidade, é agora.
A Academia Brasileira de Ciências já deixou isso claro no documento que enviou aos candidatos à Presidência antes da campanha eleitoral. Uma política de Estado digna desse nome é o que pedimos para a ciência, tecnologia, inovação e para a educação, que é a base dos três primeiros. Precisamos aproveitar este final de primeiro quarto de século 21 para nos reconstruirmos. Não podemos perder mais quatro anos. Simplesmente não temos tempo. A sociedade do conhecimento não vai nos esperar.
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