Eleições 2022

Artigo: Um Brasil dividido

Correio Braziliense
postado em 31/10/2022 06:00 / atualizado em 31/10/2022 19:11
 (crédito:  Mariana Lins )
(crédito: Mariana Lins )

Lúcio Rennó - Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB)

Voto a voto, lados distintos do espectro político brasileiro viveram a emoção da contagem eleitoral de um sistema ágil, confiável e eficiente. O país está dividido, não há dúvida. Bolsonaro conseguiu mobilizar um contingente de apoio eleitoral extremamente significativo, mesmo depois de anos de pandemia e uma situação econômica adversa, que só apresentou sinais de recuperação em 2022. As medidas de controle da inflação, a recuperação do emprego e uma política de transferência de renda tardia mudaram o cenário de uma eleição que parecia perdida para o governo. Por outro lado, a força do Lulismo e do petismo, à esquerda, mostrou-se ser o único antagonista capaz de vencer o bolsonarismo. Todas as demais forças evaporaram.

No primeiro turno, Bolsonaro, apesar de perder, sagrou-se um vencedor moral. Desacreditou as expectativas e os dados de intenção de voto. Na verdade, o conservadorismo no Brasil mostrou-se muito mais forte do que se imaginava, elegendo diversos casos emblemáticos pelo país. O Congresso será ainda dominado por um centro amorfo ideologicamente, que aceita negociar a governabilidade, mas a força do campo conservador não poderá jamais ser subestimada.

Por outro lado, nos estados, vemos divisões muito claras. O Nordeste segue petista. Lula ganha em todos os estados do Nordeste, com folga. No Sul e no Centro-Oeste, Bolsonaro tem vantagem expressiva. No Norte, nos estados mais populosos, Lula ganha. Nos menos, Bolsonaro é vitorioso. No Sudeste, a disputa é intensa em Minas Gerais, um estado decisivo para o resultado final da eleição. Lula sagrou-se vitorioso lá, mas com resultado ainda mais apertado que o nacional. São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo votam Bolsonaro. Bolsonaro ganha em 14 estados; Lula, em 13.

No voto total, o resultado mostra uma diferença de aproximadamente dois milhões de votos. Uma margem de vitória de Lula de pouco mais de 1,5%. Nenhuma eleição na nossa história brasileira foi tão disputada. Certamente não na nossa história recente. O Brasil está extremamente polarizado, com implicações para nosso futuro próximo. É uma polarização motivada por um forte alinhamento ideológico de direita, baseado em temas, com posturas críticas à legalização do aborto e à descriminalização das drogas e a favor da redução da maioridade penal. São questões de política pública que o país tratará em um ambiente de intensas diferenças de opinião.

Infelizmente, nenhuma de nossas eleições foi regida por tanta desconfiança, ameaças, violência e de risco à democracia, quanto esta. Na véspera da eleição, perguntaram ao presidente candidato se ele acataria o resultado das urnas. Apesar da resposta de que sim, o fato de que isso tem que ser perguntado aponta para problemas. Quem não quer ver o risco que o atual acirramento das disputadas implica para o processo democrático no Brasil é cego ou mal-intencionado. A deslegitimação do sistema eleitoral, a violência difundida pelo Brasil, os temores da atuação da Polícia Rodoviária Federal no dia do pleito, o receio pelo que há de vir antes da posse, são sinais de alerta. Cabe destacar que o próprio evento de posse do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, prestigiado por todas as forças democráticas do país, as falas continuadas dos defensores da democracia durante a campanha deixam claro que é preciso lutar pela democracia. Aguardemos os desdobramentos da derrota de um Presidente no poder por mais dois meses, um que sempre questionou o sistema eleitoral e o judiciário. Certamente a democracia brasileira sobreviverá, mesmo em seu teste mais difícil.

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