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Artigo: "Soldados Cidadãos" em uma nova roupagem

"A construção dessa sinergia entre a sociedade civil e as Forças Armadas deverá passar por um esforço da institucionalidade de todos os agentes e instrumentos do poder. Igualmente, que é a esquerda aprenda a debater as questões militares fugindo dos discursos abstratos. Que a direita deixe de se assumir a única detentora dos ideais patrióticos da nação brasileira"

Correio Braziliense
postado em 14/11/2022 06:00 / atualizado em 14/11/2022 15:12
 (crédito: Rafaela Biazi/Unsplash)
(crédito: Rafaela Biazi/Unsplash)

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS - General de Divisão da Reserva

É momento de humildade franciscana: onde houver discórdia que eu leve a união. Parece existir um fantasma que assombra o país vestido em um suposto intervencionismo militar. O papel dos militares e a compreensão da sociedade desse papel passa por ele deixar de ser um tema adstrito ao campo militar ou ao civil para se tornar bandeira nacional, de todos. E essas discussões precisam esclarecer definitivamente a intenção do comandante — os constituintes — ao redigir a missão proposta no Art. 142 da CF/88. Sobre este tema, recomendo o livro organizado pelo professor Marcelo Porciúncula, A competência das Forças Armadas Segundo o Artigo 142 da Constituição Federal de 1988 (Editora Marcial Pons, 2022), no qual diversos juristas e pensadores põem luz sobre as divergências conceituais e políticas.Muitas coisas contribuíram para esta situação de incerteza sobre o papel das Forças Armadas no cenário atual.

Boa parte delas se deve à combinação de um sistema partidário fragmentado, de uma elite civil despreocupada e de uma sociedade alheia às missões de seus soldados. No século 19, Rui Barbosa cunhou a expressão "Soldados Cidadãos" para defender a ideia de que aos cidadãos fardados não se podia negar o direito de participar da vida política. O Zeitgeist — espírito do tempo — contemporâneo atualizou e transformou essa ideia distinguindo política partidária de política institucional.

Passado mais de século, essa participação deve ser liderada exclusivamente pelos oficiais generais da ativa, pertencentes ao alto comando de cada um das Forças Armadas, valendo-se da política como instrumento de ação em prol da organização, do aparelhamento e dos recursos orçamentário que colaborem para o cumprimento das missões legais. A política partidária, que corrói a unidade, a hierarquia e a disciplina dos homens e mulheres das armas, que fique além dos muros dos quartéis.

O professor Murilo de Carvalho salientou, em sua obra Forças Armadas e Política no Brasil, que se a sociedade brasileira aspira a uma transição da categoria dos "desordeiros" para membro do clube dos desenvolvidos, e se ela precisa para tal conviver com as Forças Armadas, será preciso diálogo responsável e generoso que integre o soldado na sociedade e ponha um fim à sua secular orfandade.

As Forças Armadas, por conseguinte, não poderão servir como instituição parteira de uma nova ordem política e social em nosso país, mas aguardarão o respeito no limite da dignidade e profissionalismo que se espera do povo em relação àqueles que lhes protege e defende suas liberdades.

A construção dessa sinergia entre a sociedade civil e as Forças Armadas deverá passar por um esforço da institucionalidade de todos os agentes e instrumentos do poder. Igualmente, que é a esquerda aprenda a debater as questões militares fugindo dos discursos abstratos. Que a direita deixe de se assumir a única detentora dos ideais patrióticos da nação brasileira.

Que o comandante em chefe se imponha o papel litúrgico de definidor da política militar consoante com as necessidades do Estado brasileiro. Que o legislativo assuma o seu papel de vedeta do orçamento militar com discussões efetivas sobre o seu emprego. Que a sociedade seja estimulada a conhecer melhor o trabalho de seus militares. Que os militares carreguem em seus alforjes a missão maior que é defender a pátria

É importante que as Forças Armadas se sintam não só obrigadas pelas normas da Constituição em termos de deveres, mas também se sintam alcançadas em termos de direitos de proteção e de abrangência pelos seus pares civis. Há duas semanas concluímos o processo eleitoral com a escolha de um novo presidente. O envolvimento de militares no jogo político foi, por diversas vezes, citado ao longo da campanha.

Eis a oportunidade de reconhecer e valorizar as Forças Armadas, colocando em discussão, de forma serena e longe das emoções pretéritas, o seu emprego operacional, seu papel perante o Estado brasileiro e a sociedade civil, e, principalmente, as modernas relações de subordinação que devem ficar às claras para todos os atores. De dignificar as relações civis militares.

Não estamos presos na armadilha da incompreensão e da discórdia que pode afetar a razão na análise da conjuntura interna e externa do país. Como sociedade, amadurecemos o suficiente para sabermos o limite de uma insensatez política e dela nos afastarmos. Lembremos mais uma vez a oração de São Francisco.

Paz e bem!

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