Desenvolvimento Tecnológico

Artigo: Para onde vão os R$ 7 bi destinados à ciência e tecnologia?

Correio Braziliense
postado em 21/11/2022 03:50
 (crédito: Maurenilson Freire)
(crédito: Maurenilson Freire)

THIAGO FALDA - Presidente executivo da Associação Brasileira de Bioinovação (Abbi)

O Brasil é a 12ª maior economia global, mas o 57º país em inovação. Começo meu texto com essa afirmação justamente para chamar a sua atenção. Há algo de muito errado no ambiente inovativo nacional e com perspectivas de piora. A colocação em 57º lugar é do Índice Global de Inovação 2021, da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e reflete o quanto (não) temos conseguido investir em ciência e tecnologia. É contraditório porque o Brasil possui empresas, potencial intelectual, infraestrutura e alguns instrumentos oficiais para apoiar a inovação. Então, onde o processo está emperrado e por que digo que tende a piorar?

Inovar envolve risco, é caro e, em muitos casos, demanda tempo até chegar a um produto economicamente viável. A biotecnologia, por exemplo, requer entre 10 e 15 anos de investimentos em pesquisas até que se chegue a novo produto que, muitas vezes, ainda precisa se provar economicamente viável antes de ser lançado no mercado.

Poucas empresas têm esse fôlego para investimento. Mesmo havendo enorme potencial intelectual, não conseguem estruturar pesquisas e, com isso, elevar o grau de competitividade do país. Para reduzir esse obstáculo, o que a maioria das economias desenvolvidas faz é criar ferramentas confiáveis de financiamento público de ciência e tecnologia em suas diversas modalidades.

O Brasil possui desde 1969 o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), mantido com recursos oriundos de diferentes contribuições dos cidadãos para investir em inovação por meio de fundos setoriais (agronegócio, biotecnologia, energia, recursos hídricos, saúde, entre outros) e outros tipos de operação. Alguns projetos conhecidos nos quais houve participação do fundo são a construção do Sirius, o maior acelerador de partículas do Hemisfério Sul, pesquisas no combate à zika e covid-19, os projetos de engenharia para construção da Hidrelétrica de Itaipu e da ponte Rio-Niterói, investimentos em pesquisas agropecuárias por meio da Embrapa e financiamento da construção de laboratórios de pesquisas em diversas universidades brasileiras.

Em 2015, nossos governantes deram claro sinal de que veem a inovação como algo estratégico à soberania do país ao aprovar a emenda constitucional de número 85, que coloca na Constituição Brasileira a inovação como prioridade. Pois bem, voltando ao FNDCT. Em 2017, foi aprovado um valor superior a R$ 3,5 bilhões com crescimento gradual ano a ano, até que em 2021 foram aprovados R$ 7,1 bilhões a serem utilizados pelo fundo. O valor previsto mais do que dobrou em quatro anos.

Que ótimo, então reclamar do quê? Ocorre que, desde 2017, a verba efetivamente liberada para qualquer tipo de investimento em ciência e tecnologia ficou estacionada na casa dos R$ 2 bilhões. O restante foi todo contingenciado como se diz tecnicamente, que significa ser utilizado pelo governo federal em outras frentes sem quaisquer relações com inovação, em especial para pagar os juros da dívida pública.

Em janeiro de 2021, foi promulgada a Lei Complementar 177/2021, que, entre outras questões, proíbe o contingenciamento do FNDCT, em uma louvável ação dos legisladores para manter a perspectiva de um futuro mais próspero e menos dependente internacionalmente do ponto de vista tecnológico. Para nós, que trabalhamos pela inovação, uma excelente notícia. Essa lei, complemente-se, traz um ponto de extrema modernidade no mundo ao destacar projetos e atividades em ciência e tecnologia que atuem para neutralização de gases do efeito estufa e desenvolvimento da bioeconomia, totalmente alinhada com o Acordo de Paris do qual o Brasil é signatário.

Porém, novamente, na primeira semana de setembro, fomos surpreendidos pela Medida Provisória 1.136, que altera a LC 177/2021 permitindo o contingenciamento da verba do FNDCT e exclui o parágrafo que contempla a priorização do uso de recursos em projetos destinados à neutralização da carbonização do meio ambiente. Apesar de não ter um efeito prático, uma vez que não estabelece valores ou prazos, é uma clara mensagem da falta de comprometimento com a questão que está no centro do debate mundial.

Enfim, existem provas mais do que suficientes de que, para alcançar os melhores indicadores de qualidade de vida e equilíbrio econômico e social, é necessário investir em inovação, em ciência e tecnologia. Basta ver os 10 primeiros colocados do ranking no qual o Brasil está em 57º. São eles, do primeiro ao décimo: Suíça, Suécia, Estados Unidos, Reino Unido, Coreia do Sul, Holanda, Finlândia, Singapura, Dinamarca e Alemanha.

Investir em inovação, em especial nas estratégicas e estruturais, é caro e moroso e, por isso, deve ser um risco compartilhado entre governos e iniciativa privada. Retirar recursos destinados à inovação para qualquer outro fim, especialmente o pagamento de juros da dívida, é agir para que o futuro seja igual (ou pior) ao presente, pois faltam perspectivas de melhoria, de mudanças, de aumento de receita exportadora de alto valor agregado. Continuaremos gerando e vendendo produtos de baixo valor, apesar do enorme potencial que temos em mãos.

Ouvimos das gerações anteriores que o Brasil é o país do futuro. Isso continuará a ser passado de geração a geração enquanto não houver um compromisso sério e de longo prazo com a inovação. O FNDCT deve servir aos interesses dos brasileiros que querem prosperar, produzir e encontrar no país um efervescente mercado de pesquisa e inovação. Porque, junto com os recursos financeiros, vão-se as melhores cabeças para outros países.

 


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