EDITORIAL

Visão do Correio: O racismo estrutural e a consciência negra

Correio Braziliense
postado em 24/11/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

No dia 20 de novembro comemoramos o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra instituído pela lei 12.519. Seu objetivo não é confrontar a data magna da Abolição, 13 de março, mas garantir espaço e visibilidade para o debate sobre as mazelas sociais vivenciadas por mais da metade da população do país (54%), de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tratar do assunto a partir do "lugar de fala", com emergência dos movimentos e lideranças pretas, como se diz, vem tendo o papel de desnudar o racismo estrutural existente no Brasil.

Essa sempre foi uma questão mascarada pela miscigenação, que possibilitou uma narrativa na qual não existiria racismo no âmbito da sociedade no Brasil, mas apenas preconceito de uma elite branca descendente de senhores de escravos. Ocorre que esse preconceito é muito mais amplo e enraizado, além de mascarado por estruturas sociais e de poder que não garantem igualdade de oportunidades nem de condições para competir aos jovens negros, pardos e mulatos, o "povo preto", tanto no mercado de trabalho como nos espaços de poder.

Essa data, como não poderia deixar de ser, ensejou amplo debate sobre o racismo estrutural. Por exemplo, estudo intitulado Jovens Negros e o Mercado de Trabalho, realizado pelo Instituto de Referência Negra Peregum, em parceria com o Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial (Afro-Cebrap), com apoio do Banco Mundial, concluiu que, para a maioria dos jovens negros brasileiros, a inserção e permanência no mercado são um processo desafiador, que somente pode ser equacionado com a implementação de políticas públicas. Existe a política de cotas para acesso às universidades, mas não existem cotas institucionalizadas para as empresas de capital aberto, por exemplo, inclusive nas suas diretorias e conselhos administrativos.

Transcorridos quase 135 anos da abolição da escravatura no Brasil, a realidade discrepante entre brancos e negros no mercado de trabalho continua sendo um grande problema, ainda longe de ser solucionado. Dados da Pnad Contínua 2019 mostram que mais de 60% dos profissionais de serviço braçal são negros e que, na mesma proporção, os empregadores são brancos. As mulheres negras, em especial as que iniciaram a vida no trabalho doméstico, enfrentam ainda mais dificuldades. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2020, as mulheres negras no serviço doméstico receberam 20% a menos do que as não negras. A situação dos idosos, muitos dos quais analfabetos, é ainda mais dramática, embora a universalização das aposentadorias pela Constituição de 1988 lhes garanta uma renda básica a partir de 65 anos de idade.

É uma situação cada vez mais intolerável, que exige uma tomada de consciência de toda a sociedade. Não se trata apenas de criminalizar o racismo explícito, ofensivo à dignidade humana, mas de erradicar suas raízes, que estão na estrutura social do país, com reflexos em todas as atividades sociais. É um processo difícil, longo, mas irreversível, porque o sucesso das novas lideranças rompeu a barreira da exclusão. Elas ocuparam seu "lugar de fala" e servem de exemplo para os jovens, adolescentes e crianças que desejam viver numa sociedade na qual não sejam discriminados e condenados, eternamente, a condições subalternas.

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