meio ambiente

Artigo: O cerrado e o novo governo Lula

Cesar Victor do Espírito Santo
postado em 12/12/2022 06:00
 (crédito: Zuleika de Souza/Divulgação)
(crédito: Zuleika de Souza/Divulgação)

Cesar Victor do Espírito Santo - Engenheiro Florestal, membro da Funatura, da Rede Cerrado e da Rede de Mosaicos

Na semana passada, assisti à Plenária Sociedade Civil Ambiental e Climática promovida pelo Grupo Técnico de Meio Ambiente do gabinete de transição presidencial do governo Lula, evento que contou com a presença do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, das ex-ministras de Meio Ambiente Marina Silva e Izabella Teixeira, do ex-governador do Acre Jorge Viana, da deputada eleita Célia Xariabá e de representantes da sociedade civil de diferentes movimentos socioambientais.

Foi um momento de grande satisfação poder ver que finalmente uma luz se acende novamente, depois de quatro anos de trevas, de descaso com o meio ambiente e com os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Está sendo um verdadeiro horror o que está acontecendo na Amazônia, no Cerrado e, com menos intensidade, nos demais biomas brasileiros. Estamos muito esperançosos e confiando que mudanças positivas virão com o novo governo.

Fiquei frustrado por não ter tido a oportunidade de me manifestar no encontro. Mas, felizmente, poderei expor minhas opiniões neste artigo.

Recentemente foi aprovado pela União Europeia uma regulamentação antidesmatamento, na qual o Mercado Europeu não permitirá a entrada de uma série de commodities, principalmente carne, soja e madeira, que provoquem novos desmatamentos. O foco são as áreas florestais da Amazônia e da Mata Atlântica, o que será positivo para esses biomas. No entanto, o Cerrado ficou de fora. Não podemos aceitar isso. O Cerrado não pode ser sacrificado em função de se proteger a Amazônia e a Mata Atlântica. Trata-se de um bioma extremamente rico, tanto pelos povos que o habitam há tempos imemoriais como em termos de biodiversidade, de água, de carbono, de paisagens, de geodiversidade e de outras preciosidades da natureza.

Apesar de toda essa riqueza, em apenas 50 anos, intensificado nos últimos quatro, cerca de metade do bioma já foi desmatado para dar lugar a imensos monocultivos de grãos, especialmente soja; a imensas áreas de pastagens com extensa criação de gado; a grandes lagos formados pelas barragens para a geração de energia pelas grandes, médias e pequenas hidroelétricas; à produção de carvão; à mineração e aos garimpos predatórios; entre outros fatores. Há milhões de hectares de áreas degradadas, principalmente pastagens. Cerca de 42% do bioma são ocupados com agropecuária; 52% da soja brasileira são cultivados no Cerrado; quatro em cada 10 cabeças do rebanho bovino brasileiro estão no Cerrado. A atividade agropecuária é responsável por 74% das emissões nacionais de gases de efeito estufa, caracterizada, principalmente por: a) gás carbônico (CO2), em função do desmatamento, da mudança no uso da terra e das queimadas; b) metano (30 vezes mais potente que o CO2), emitido pelo processo digestivo do gado; c) óxido nitroso (300 vezes mais potente que o CO2) emitido pelos nitratos de fertilizantes artificiais que reagem com o oxigênio do ar e, também, pela decomposição do nitrogênio no esterco e urina do gado. Em função de tudo isso, o Cerrado não pode ficar fora dessa regulamentação europeia.

Entendemos que a ação mais importante para proteger o Cerrado é por meio da regularização fundiária e demarcação dos territórios indígenas, das unidades de conservação e dos territórios ocupados por quilombolas e demais comunidades tradicionais. Também, entendemos ser fundamental a criação de novas unidades de conservação, tanto públicas, como privadas. Hoje o Cerrado conta com apenas 8,21% de sua superfície em unidades de conservação. A COP15 sobre Biodiversidade, que está acontecendo no Canadá, discute, entre outros pontos, a necessidade de todos os países protegerem pelo menos 30% de seus territórios na forma de unidades de conservação.

Outras questões importantes referem-se à retomada e ao fortalecimento do Plano de Ação para a Prevenção e o Controle do Desmatamento no Cerrado — PPCerrado; à recuperação de áreas degradadas, com a reativação do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa — Planaveg; ao uso sustentável da biodiversidade do Cerrado, com a reativação da agenda da Sociobio; além da criação de um Fundo para o Cerrado, a exemplo do Fundo Amazônia, que será reativado a partir de janeiro de 2023.

Em termos de gestão das unidades de conservação (UCs) e demais áreas protegidas, entendemos ser importante o fortalecimento da agenda sobre os Mosaicos de UCs e outras áreas protegidas, onde o alvo principal é a gestão integrada desses territórios, integração esta que envolve, além dos gestores das UCs e demais áreas protegidas que compõem os Mosaicos, representantes dos órgãos e entidades que atuam nos territórios federais, estaduais e municipais; representantes da academia, da sociedade civil organizada, do setor produtivo e das comunidades indígenas e povos tradicionais.

Também entendemos ser de fundamental importância a união de esforços entre os trabalhos voltados para a proteção da natureza, a educação e a valorização da cultura dos povos brasileiros. Meio ambiente, educação e cultura caminhando juntos.

Por último, ressalto o papel do Parlamento em não aprovar leis que flexibilizem as exigências para garantir a proteção do bioma, bem como a aprovação da PEC que inclui o Cerrado e a Caatinga entre os biomas considerados patrimônio nacional pela Constituição brasileira, a exemplo da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica, do Pantanal mato-grossense, reparando uma grave injustiça, quando da época de sua promulgação no ano de 1988.

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