Visão do Correio

Visão do Correio: O SUS também sofre de covid longa

Correio Braziliense
postado em 12/12/2022 06:00
 (crédito: Silvio Avila/AFP)
(crédito: Silvio Avila/AFP)

A síndrome da covid longa é uma condição reconhecida pela Organização Mundial da Saúde desde outubro de 2021 e se refere aos efeitos que se prolongam por meses ou até mais de um ano entre vítimas da infecção causada pelo coronavírus, sem que possam ser explicados por outro diagnóstico. Que esse quadro tem potencial de afetar um percentual expressivo de pacientes já se sabe. Mas um estudo de cientistas brasileiros aponta que ele pode estar de certa forma se replicando no Sistema Único de Saúde, fazendo com que o SUS sofra efeitos prolongados da pandemia que ainda terão de ser monitorados, controlados e tratados por bastante tempo e por especialistas de diferentes áreas.

Os sintomas dessa "síndrome" no SUS se manifestam por uma significativa demanda de procedimentos médico-hospitalares represada desde o início da pandemia — quando a prioridade máxima era socorrer as vítimas da covid-19, o que levou à suspensão de vários atendimentos. Agora, o quadro de sobrecarga é diagnosticado em nota técnica elaborada por pesquisadores ligados à Fundação Oswaldo Cruz, apontando um mal sistêmico que tende a levar vários anos até que possa ser tratado ou, eventualmente, "curado".

Os números obtidos a partir de comparação entre a média de procedimentos registrados no SUS no pré-pandemia, no período de 2014 a 2019, e após o início da crise sanitária, de 2020 a 2022, impressionam. De acordo com o comparativo, o país tem um deficit estimado de nada menos que 1 milhão e 100 mil procedimentos represados desde o começo da epidemia mundial provocada pelo coronavírus.

E, de acordo com o trabalho, as consequências podem ir além do desafio de zerar a fila dos milhares de pacientes que ainda aguardam por procedimentos que deveriam ter sido feitos durante os três anos de emergência sanitária. "Algumas regiões do país apresentam deficit considerável de atendimentos clínicos e procedimentos cirúrgicos que podem evoluir com complicações. Além disso, a demanda reprimida nos exames e diagnósticos representa problemas para agravamento de condições clínicas não atendidas a tempo", adverte a nota técnica.

Apenas o Sudeste, região mais populosa do país, tem deficit estimado em quase 400 mil procedimentos hospitalares que deixaram de ser realizados desde 2020 — também o mais alto índice nacional, apontam os pesquisadores. Apesar de os tratamentos clínicos para pacientes de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo deixarem de apresentar represamento nos últimos dois anos, o ritmo das cirurgias não se recuperou, com destaque para operações dos aparelhos digestivo, geniturinário, circulatório, das vias aéreas e superiores, além de pequenas intervenções e procedimentos de pele, tecido subcutâneo e mucosa, indica a análise.

Já no Centro-Oeste, os tratamentos clínicos que apresentaram deficit em outras regiões tiveram expressiva recuperação em 2021 e 2022. Porém, os procedimentos cirúrgicos não seguiram a tendência. Entre os que apresentam deficit, segundo os cientistas da Fiocruz, se destacam cirurgias do aparelho digestivo, órgãos anexos e parede abdominal, tratamentos em nefrologia, operações dos aparelhos geniturinário e circulatório, além de procedimentos das vias aéreas superiores, da face, da cabeça e do pescoço.

Dados como esses indicam que o Sistema Único de Saúde, cuja importância talvez tenha sido reconhecida de forma inédita durante a pandemia, parece ter superado os efeitos mais agudos da crise sanitária, mas precisará de anos de tratamento e cuidados para se recuperar das consequências crônicas da própria "covid longa" que enfrenta. "Os desafios do SUS nos próximos anos são enormes, tanto pelo passivo adquirido durante a pandemia quanto pelos cuidados pós-covid que eventualmente o sistema terá que tratar", destaca o pesquisador da Fiocruz Diego Xavier, um dos responsáveis pelo estudo.

É prudente que o alerta seja ouvido. Afinal, após a experiência com a pandemia, parece inevitável concluir que poucas coisas teriam sido piores no já problemático enfrentamento da crise do que não dispor de um sistema de saúde público, gratuito, universal e de capilaridade nacional. Por mais doente e sobrecarregado que ele já estivesse.

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