mercado de trabalho

Artigo: Síndrome de Clark Kent

Patrick Selvatti
postado em 14/12/2022 06:00
 (crédito: FREDERIC J. BROWN)
(crédito: FREDERIC J. BROWN)

A Universidade de Georgetown (EUA), na semana passada, trouxe o resultado de uma pesquisa sobre quais profissões acumulam maior número de arrependidos. Impressionou constatar que o jornalismo está no topo do ranking: 87% dos profissionais de imprensa lamentam sua escolha. O percentual assusta, mas não surpreende. Entre os colegas da minha geração, parece haver um consenso nesse sentido, pelo menos no que se refere à sensação de frustração pelo ofício.

De fato, não é a carreira mais gloriosa. Especialmente em um mundo em que a internet se tornou produtora de notícias a qualquer tempo, em qualquer lugar e por qualquer pessoa. Com as redes sociais, a informação passou a ser tão ágil quanto líquida, no sentido mais literal: escorre como uma goteira e vira uma enxurrada. Depois que o botão de enviar é acionado, dificilmente a ação se desfaz. É como os veteranos costumam falar: não existe o verbo "desimprimir". No máximo, "param-se as máquinas". A diferença é que, no jornalismo (leia-se "sério"), existe toda uma apuração e edição como respaldo. E é nesse ponto, todavia, que o profissional se ressente e se desconstrói a olhos nus: atualmente, o que o jornalista publicou e o que a tia do zap compartilhou estão no mesmo patamar de credibilidade — em alguns casos, com uma vantagem maior para a segunda fonte.

Há também um ideal mitológico. Muitos jornalistas optaram pelo curso a partir da figura idealizada do Clark Kent. Escrever artigos aplaudidos, produzir reportagens premiadas, aparecer na televisão e transformar o mundo fazem parte do imaginário coletivo de quem se joga na hercúlea jornada. E também de quem está ao redor, aconchegando-se na primeira fila na expectativa de ver o futuro foca na bancada de um telejornal. Mas a realidade é outra: assombrados pelo vilão chamado deadline, tanto repórter quanto editor enfrentam a batalha diária de produzir conteúdo, debaixo de sol ou de chuva, sem horário certo para comer ou dormir. E grande parte do tempo é gasto no combate às fake news. Para quem busca glamour, é melhor tentar virar digital influencer — mas nem essa nova categoria profissional está imune a uma agenda insana.

Apesar dos reveses, o jornalismo ainda é uma profissão valiosa. Hoje, completo 20 anos de graduação e de uma carreira de altos e baixos como a de qualquer outra área. Não habito em um mundo particular alienado em paralelo à realidade nua e crua do ofício, mas posso afirmar que não é o fim da linha para quem sabe se reinventar. A modernidade não é inimiga, mas aliada. E nas redações — pode apostar — persiste, sim, o bom jornalismo que me encantou duas décadas atrás: aquele dos furos inesperados, das fontes seguras, das coberturas históricas, das opiniões embasadas, do texto coeso. E é certo que, do outro lado, resistem os leitores atentos que, se estão lendo esta página, é porque valorizam a missão que a imprensa desempenha, a duras penas, como um sacerdócio: ser um canal de comunicação de credibilidade e respeito com a sociedade.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.