desigualdades educacionais

Artigo: As prioridades esquecidas da educação

Ernesto Martins Faria
LETÍCIA MAGGI
postado em 14/12/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

ERNESTO MARTINS FARIA - Diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)

LETÍCIA MAGGI - Gerente de comunicação no Iede

Com tantas urgências, revisão das avaliações e indicadores e combate às desigualdades educacionais são menos lembrados, mas também são essenciais. O ex-ministro da Educação José Henrique Paim, coordenador de Educação da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse no mês passado que aumentar os recursos para alimentação escolar e para o funcionamento das universidades federais são as grandes prioridades do próximo governo. De fato, a recomposição orçamentária para 2023 é tema-chave já que o Ministério da Educação (MEC) foi um dos mais impactados com sucessivos cortes no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Com razão, a etapa de alfabetização também costuma ser muito citada como prioritária por entidades da área e especialistas. Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2021 mostram uma queda brutal na média dos estudantes no 2º ano do ensino fundamental em língua portuguesa, que passou de 750 pontos, em 2019, para 725,5, em 2021. O ensino médio também ocupa o centro das discussões dada a dificuldade das redes de ensino, especialmente após a pandemia, de manter os jovens na escola e oferecer-lhes um ensino que faça sentido e colabore para a concretização de seus projetos de vida.

Investimento maior no ensino profissionalizante, recomposição das aprendizagens, recomposição da estrutura federativa do MEC para que passe a trabalhar novamente junto a estados e município. A lista de prioridades é imensa, mas há dois temas que não podem ficar de fora: o combate às desigualdades e a revisão das avaliações e indicadores nacionais.

Dados do último Pisa (avaliação internacional de estudantes) mostram que, enquanto 60,1% dos estudantes de alto nível socioeconômico (NSE) têm aprendizado adequado em leitura aos 15-16 anos, entre os estudantes mais pobres o índice é de 15,5%. Essa é uma das maiores diferenças do mundo: entre todos os países avaliados, ficamos atrás somente de Bielorrússia e Israel. Em ciências, a desigualdade entre os grupos também é muito expressiva: entre os alunos de alto NSE, 53,1% têm aprendizado adequado, contra 8,8% dos de baixo NSE.

A desigualdade educacional no Brasil não é apenas em relação ao nível socioeconômico dos estudantes. A desigualdade por cor/raça também precisa urgentemente estar no debate. Análises feitas pelo Iede a partir de microdados do Saeb 2019 mostram que estudantes pretos têm desempenho inferior aos estudantes brancos mesmo quando eles fazem parte do mesmo grupo de renda. Por exemplo, entre os mais ricos, há 67% de estudantes brancos com aprendizado adequado no 5º ano do ensino fundamental contra 40,1% dos estudantes pretos. O racismo estrutural é a principal hipótese para isso.

Diagnosticar todas essas desigualdades e construir uma agenda de enfrentamento a elas tem que ser uma prioridade máxima do próximo ministro da Educação e também dos secretários municipais e estaduais. A educação é um direito de todos e não podemos aceitar que alguns estudantes estejam tendo menos oportunidades de aprender do que outros.

Já a revisão das avaliações e dos indicadores nacionais volta à pauta pela sua importância: ter uma avaliação alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que olhe para as competências e habilidades julgadas essenciais de serem desenvolvidas nos estudantes, não serve apenas para o monitoramento, mas sim é indutora da ação. Isto é, boas avaliações e bons indicadores têm a capacidade de contribuir efetivamente para a melhoria da qualidade da educação.

Ainda que o nosso foco deva ser a educação básica, não podemos deixar de mencionar o ensino superior, hoje largado à própria sorte, e não apenas pela falta de orçamento das universidades públicas, mas também pela proliferação de cursos de baixa qualidade em faculdades privadas. Uma boa avaliação da etapa poderia ajudar na exigência de cursos melhores. Enquanto temos o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para a Educação Básica, que possui metodologia que permite o acompanhamento da qualidade ao longo do tempo, os indicadores do Ensino Superior são meramente comparativos. O Conceito Enade, por exemplo, aponta apenas que os cursos foram melhores ou piores nas avaliações, mas não diz se o nível de aprendizagem dos alunos é bom ou não. É preciso ter métricas sobre a qualidade do ensino na etapa.

Já em relação a avaliações e indicadores para a educação básica, o foco precisa ser um Saeb mais rigoroso e a revisão do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), garantindo o olhar para todas as crianças e jovens e o foco em equidade, tópico já destacado neste texto.

Para uma educação de qualidade, precisamos de evidências consistentes sobre o nosso sistema de ensino, que são trazidas por boas avaliações e indicadores. E só há educação de qualidade se ela é para todos, o que só será possível se colocarmos como ponto central do debate educacional a redução das desigualdades e políticas que olhem para a equidade de forma intencional.

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