pelé

Artigo: O Rei, eu e meus botões

PAULO FONA
postado em 30/12/2022 06:00
 (crédito:  TV Brasil/Divulgação)
(crédito: TV Brasil/Divulgação)

PAULO FONA - Jornalista e consultor político

Nunca esqueci os cinco minutos que pude estar ao lado dele no Pelezão no intervalo de um jogo do Santos contra uma seleção brasiliense, em 1965, goleada por impecáveis 5 x 0, se a memória não me engana.

Para mim, um menino dos seus 12 anos, a figura daquele homem imenso, mas de apenas 1,70, materializava o jogador de botão do Santos que também nos campos imaginários do assoalho de minha casa deixava todos pra trás, ao lado de Dorval, Mengálvio, Coutinho e Pepe — o primeiro ataque que decorei e o maior do mundo.

Nos meus campeonatos de botão o Santos ganhava os torneios ou disputava o título contra o Botafogo de Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagalo, então com um "l" só. Naquela época ainda se discutia se Pelé era melhor ou não do que Garrincha ou se o Botafogo era capaz de enfrentar o poderoso esquadrão praiano de Santos. Sintonizado na rádio Globo, ouvia a voz imponente de Waldir Amaral, que saia do rádio Telefunken do meu pai, que não gostava de futebol.

Minha paixão botonista me fazia acompanhar pelos jornais as excursões do Santos pelos cinco continentes para pegar as escalações de rivais como Boca Juniors, River Plate, América do Mexico, Real Madri, Benfica, Milan, Internazionale e Barcelona. Pelo Correio da Manhã, Gazeta Esportiva ou Última Hora colecionava as escalações e formava mais times para enfrentar o Santos — e perder!

Antes de 1965, pude vê-lo de longe no Palácio do Alvorada na recepção que o presidente João Goulart ofereceu a seleção bicampeã mundial em 1962, mas a distância e a multidão de convidados impediram que toda a família chegasse perto dele. Com nove anos, só o fato de estar ao lado dos brasileiros mais famosos no mundo já encheu meu coração de alegria.

Alegria que se estendeu pelos anos seguintes com a conquista do bicampeonato da Libertadores e do Mundial dos Clubes derrotando os poderosos Penarol e Boca Juniors, na América do Sul, e Benfica e Milan na Europa. Jamais esquecerei de ouvir pelo rádio a virada do Santos contra o Milan, numa noite de tempestade no Maracanã em que, mesmo sem ele, o alvinegro santista lhe deu a condição de bicampeão mundial de clubes.

Ainda pelo rádio e pelo vídeo-tape pude ouvir e ver com alguns dias de atraso, a seleção brasileira ser arrasada nos campos ingleses na Copa do Mundo de 1966, com Pelé sendo caçado em campo por búlgaros e portugueses. Sob a complacências dos juízes europeus, que favoreceram descaradamente as seleções europeias, Alemanha e principalmente Inglaterra.

Mas a vingança não tardou. No meu campeonato mundial de futebol, com apenas 13 seleções porque não consegui a tempo as escalações de Coreia do Norte, Suíça e França (naquela época um time não relevante), o Brasil se tornou tricampeão goleando os donos da casa por implacáveis 4x1, com três gols de Pelé e outro de Garrincha. Tudo anotado no caderno ainda guardado naquelas caixas que resistem a mudanças de casa.

Lembro-me bem da promessa dele de abandonar o scrath nacional depois da decepção da derrota humilhante na Inglaterra — a única vez que o Brasil não passou da fase de grupos. Promessa que aterrorizou a todos os brasileiros — a mim me deu um sentimento de orfandade de não poder mais torcer por ele na Seleção.

Afinal, Pelé, Seleção Brasileira, Santos e meus times de botão eram uma coisa só. Como se sabe, ainda bem que ele desistiu de desistir e chegou ao México no auge de seu vigor físico e um inquebrantável desejo de ganhar a sua última copa, no estádio Azteca e no assoalho do corredor da casa dos meus pais.

Escrever sobre Pelé no dia de sua passagem é reviver e viver. É descobrir como a carreira esportista do maior jogador de futebol do mundo faz parte de sua vida, assim como a de todos os brasileiros.

Só temos que agradecer o que ele nos deu de alegria ao longo de vinte anos jogando nos campos dos seis continentes e nos diferentes cômodos da casa dos meus pais. Como qualquer criança nascida na década de 50, meu sonho era ser um Pelé.

E, hoje, ao ver meu neto João curtir o Messi e dizer que ele é o maior jogador de futebol da história, eu retruco e digo: "Veja o DVD Pelé Eterno". Como anteviu Nelson Rodrigues em uma crônica sobre o primeiro jogo que viu do craque no Maracanã, vestindo a camisa do Vasco, vaticinou: "ele será o Rei do Futebol!".

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