NULL
EDITORIAL

Visão do Correio: Europa sob ameaça do narcotráfico

pri-3004-crimenaestrutural Estrutural Crime
     -  (crédito:  Caio Gomez/CB/D.A Press)
pri-3004-crimenaestrutural Estrutural Crime - (crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)
postado em 17/01/2023 06:00 / atualizado em 17/01/2023 06:21

Não bastasse todos os problemas econômicos com os quais está tendo de lidar — inflação alta, juros subindo, crise energética e recessão à vista —, a Europa se depara com uma realidade muito conhecida na América Latina, em especial, no Brasil: a criminalidade associada ao narcotráfico. Nunca se apreendeu tanta cocaína no Velho Continente como em 2022, um sinal de que o sistema de segurança ainda está funcionando, reflexo da infiltração de organizações criminosas nas estruturas da sociedade europeia. O Primeiro Comando da Capital (PCC), que aterroriza os brasileiros, já conta com pelo menos 40 integrantes em Portugal, com ramificação em outros países. Traficantes mexicanos fincaram raízes na Espanha e começam a se espalhar para além das fronteiras da nação.

As autoridades europeias sabem que, se nada for feito de forma eficaz e coordenada, a região poderá se deparar com uma guerra entre as quadrilhas que colocará em risco a vida de milhões de cidadãos. Há indícios consistentes de que a situação está saindo de controle na Bélgica, que, na visão de especialistas, está próxima de se tornar um narcoestado, e na Holanda, onde o crime organizado afronta governos e impõe terror. Apenas no ano passado, foram apreendidas 109,9 toneladas de cocaína no porto belga da Antuérpia, que fica a pouco mais de uma hora de Bruxelas, cidade que abriga as sedes dos principais órgãos da União Europeia. Recentemente, uma menina de 11 anos foi morta a tiros durante numa disputa entre quadrilhas na região do porto e descobriu-se um plano para sequestrar o ministro da Justiça.

Na Holanda, um jornalista investigativo e uma testemunha-chave de um processo contra um traficante foram assassinados. A princesa Amélia, 18 anos, teve a segurança reforçada após ser ameaçada de morte. No país, o tráfico é comandando por uma organização controlada por marroquinos, que se beneficia da corrupção no porto de Roterdã. Apenas 10% das cargas são vistoriadas, o restante é feito por amostragem. Não por acaso, a União Europeia está destinando milhões de euros para que a tecnologia permita um controle mais amplo das cargas. A cocaína pode ser diluída em todo tipo de produto, inclusive, alimentos.

A Europa não pode vacilar no combate ao narcotráfico. A região se gaba de ser uma das mais seguras do mundo, com bem-estar social e pobreza reduzida. É imperativo dizer que foi a omissão do Estado e a corrupção dos sistemas de segurança que facilitaram a disseminação do narcotráfico na América Latina. Há áreas, como no Brasil, em que o Estado paralelo é o único poder, sem que a polícia consiga entrar. Portanto, ou as autoridades europeias reconhecem o tamanho do desafio que têm pela frente, ou serão engolidas pela violência que dizima milhares de vidas todos os anos, sobretudo dos jovens, alvos preferenciais dos traficantes.

Não se combate o narcotráfico apenas com discursos. Nem com discriminação. Sabe-se que a Europa tem recebido uma leva grande de imigrantes por causa de guerras e perseguições políticas, contudo, em vários países, boa parte desses contingentes está sendo marginalizada, restrita a guetos. Sem perspectivas e não inseridas na sociedade, essas pessoas acabam se tornando instrumentos úteis para as organizações criminosas, movimento que o Brasil assistiu nas comunidades, em que, sem trabalho e sem educação, cidadãos foram cooptados pelo tráfico. Histórias não faltam nesse sentido.

Em Portugal, onde está a segunda maior comunidade de brasileiros no exterior — são mais de 252 mil pessoas com registros formais —, o temor é evidente. Tanto que, nos últimos meses, as autoridades apertaram o cerco contra integrantes do PCC e fugitivos da Justiça brasileira que escolheram o país para se esconder. A criminalidade não pede licença. Chega, se instala e provoca o horror. Os países europeus ainda têm oportunidade de evitar uma latino-americanização, dada as bases que criaram ao longo do tempo. O sinal de alerta, porém, está ligado. E o som, cada vez mais alto.

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

-->