NULL
Racismo

Artigo: Minha visão holística sobre racismo

Foi sancionada lei que tipifica como crime de racismo a injúria racial -  (crédito: Reprodução/ Freepik)
Foi sancionada lei que tipifica como crime de racismo a injúria racial - (crédito: Reprodução/ Freepik)
BEETHOVEN ANDRADE
postado em 23/01/2023 03:55

Beethoven Andrade - Advogado

Existe uma linha tênue entre o que é racismo e aquilo que é considerado resultado natural de ações do Estado e da sociedade, em especial aqui no Brasil. Por muitos anos, vimos veículos de comunicação valer-se da imagem da pessoa negra como principal vetor de piadas e caóticos dramas, o que fomentou na coletividade a naturalização do comportamento discriminatório herdado do período escravocrata. Ao mesmo tempo, para o Estado, a existência de favelas, assentamentos, invasões, subemprego etc. resulta de uma falibilidade individual, visto que, a espeque do possível, as políticas públicas são ofertadas a aparente contento, demonstrando a existência de uma esconsa meritocracia.

Claro, mudar algo histórico, sobretudo o comportamento social, é algo demasiadamente difícil. Se, por um lado, é possível observar avanços no combate à discriminação e ao preconceito racial, por outro, cintila a resistência daqueles que veem o racismo como algo que surge do imaginativo dos negros, mero refluxo de suas fragilidades resultantes da posição de minorização social, política e econômica.

Debater políticas antidiscriminatórias nos conduz, inevitavelmente, aos estudos acadêmicos sobre a temática; não que seja ruim, mas é como se o negro estivesse sempre no polo passivo epistêmico e, por mais que avance, não consegue se desvencilhar da atuação coadjuvante na própria história.

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que injúria racial possui status de crimes de racismo, portanto, imprescritíveis e inafiançáveis. Porém, entender o racismo dessa ótica resulta compreender o que estruturalmente e institucionalmente é o racismo: volátil, mutável e extremamente moderno, sem falar de sua resistência diamantina, traduzido em comportamento aversivo que une aqueles que defendem que o racismo não existe, mas continuam praticando atos discriminatórios e excludentes.

Para críticos, a injúria racial, ou qualificada, tem por escopo, tão somente, individualizar o racismo brasileiro, amenizando e o reduzindo à subjetividade dos envolvidos e aos conflitos interpessoais de uma sociedade incapaz de conviver com suas diferenças. Seria um mecanismo com intuito precípuo de alertar à sociedade que o Estado não é discriminatório em suas ações, ou na ausência delas, mas que pessoas isoladamente possuem comportamentos incondizentes com a paz social e que o Estado está atento, ainda que ineficaz, à visão da coletividade negra.

Traduzir os efeitos e as angústias do racismo estatal (estrutural e institucional) é de sobejo mais dificultoso que interpretar processualmente as aflições de uma agressão à subjetividade da pessoa negra com base em sua cor de pele, tão debatida academicamente. Enquanto aquele invisibiliza a subjetividade étnico-social das pessoas negras em esfera coletiva, o preconceito e discriminação ferem uma consciência individual sobre a condição de pessoa negra em uma coletividade, ou seja, uma visão de integração e pertencimento à sociedade, mas ambos possuem condão de macromarginalizar, excluir ou inferiorizar a coletividade negra, não o indivíduo. Por isso, injuria, preconceito e discriminação, na esfera penal, devem ser tratados como comportamentos racistas, consequência de um mal maior.

Longe dos estudos acadêmicos, onde não há epistemologia, cada pessoa convive com o racismo à sua maneira, engolido por um monstro invisível que há muito a fez assimilar que a vida é assim, dura mesmo, que o ódio pelo tom de pele, ainda que inato, é algo que não pode interferir no cotidiano coletivo, que o subemprego, a vida indigna é apenas reflexo de um fracasso pessoal, muito embora resulte da inexpressiva e falível prestação de serviços públicos, enquanto que, para olhares turvos, a ausência de condições iguais de oportunidade é apenas um infortúnio. Sorte é ter privilégios e conseguir ser indiferente aos que não os têm.

De tal modo, para uma visão holística sobre o racismo, é imperioso reconhecer que individualmente cada pessoa sentirá seus efeitos de modo díspar, fenômeno que jamais poderá ser traduzido aos livros ou trabalhos acadêmicos, mas tão real quanto a impossibilidade de definir o racismo criminalmente, tendo-se em vista seu caráter não rígido e adaptável aos avanços das políticas afirmativas. Poderíamos apenas concluir, de certa maneira, que apenas superaremos o racismo quando o Estado der efetividade às políticas afirmativas e inclusivas, se divorciando, por fim, da falácia de democracia racial.

 


Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

-->