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EDITORIAL

Visão do Correio: País deve dizer não à barbárie

Garoto indígena nos arredores da Casa de Saúde do Índio, onde será instalado Hospital de Campanha da FAB: situação de emergência  -  (crédito:  Fernando Frazão/Agência Brasil)
Garoto indígena nos arredores da Casa de Saúde do Índio, onde será instalado Hospital de Campanha da FAB: situação de emergência - (crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil)
postado em 26/02/2023 06:00

A Comissão Externa Temporária do Senado, criada para apurar a crise humanitária na Terra Indígena Ianomâmi terá papel fundamental no sentido de explicitar ao país a tragédia que tomou conta daquela área demarcada por lei. Há uma grande preocupação com os resultados da Comissão, pois três de seus componentes são senadores eleitos pelo estado de Roraima. Isso não seria problema se os parlamentares não fossem ligados ao garimpo. Por isso, todos lhes cobram isenção.

Os senadores, em diferentes ocasiões, chamaram os ianomâmis de "primitivos" e os garimpeiros, de "trabalhadores esquecidos pela União". Eles acreditam que não se pode punir os invasores de terras indígenas, pois são tão vítimas quanto os ianomâmis. Chegaram a cogitar, inclusive, a possibilidade de se pagar um auxílio especial aos mais de 20 mil devastadores da Amazônia, destruidores de rios e exploradores ilegais da riqueza do solo de terras protegidas pela legislação. Se aprovada essa ajuda, seria como dizer que o crime compensa.

No Brasil, nos últimos anos, a inversão de valores passou a ser regra para alguns grupos. Muitos tentaram normalizar o absurdo, como se estivessem anestesiados diante da barbárie. Felizmente, o surto de insensatez passou, mas suas raízes permanecem, o que exige da sociedade uma reação contundente contra aqueles que transgridem as leis. Os garimpeiros que provocaram uma crise humanitária sem precedentes, levando centenas de crianças a morrerem de fome, merecem severa punição. Ainda que os senadores estejam de olho em seu eleitorado, deve prevalecer o bom senso, o reconhecimento de que o país não pode permitir que um povo originário seja dizimado.

Muita coisa, por sinal, está errada nesse processo. Sabe-se, agora, que boa parte do ouro extraído de terras indígenas foi negociada ilegalmente. Pior: não há controle algum por parte das autoridades que deveriam regular esse mercado. Prevalece a lei da palavra, ou seja, se o vendedor do metal disser que tudo foi obtido de boa-fé, está batido o martelo. Sucateada, a Agência Nacional de Mineração (ANM) tem apenas 50% do quadro de pessoal preenchido — a fiscalização do pagamento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) de toda a produção mineral brasileira é feita por somente cinco fiscais.

O Banco Central, com todo o seu aparato, não acendeu nenhum alerta diante do fato de só cinco distribuidoras de valores concentrarem o comércio de ouro no país. Também falhou vergonhosamente a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável por fiscalizar essas instituições. Nem mesmo o Leão da Receita Federal rugiu. Essa máquina de sugar as riquezas do país e de massacrar o povo ianomâmi operou em ritmo acelerado nos últimos quatro anos, protegida por um governo que, a todo momento, tentou emplacar o projeto de mineração em terras indígenas. O resultado está aí, registrado em imagens que chocam a todos.

Espera-se que a Comissão criada pelo Senado realmente cumpra a sua missão. Não será aceitável que o relatório a ser apresentado sobre a crise humanitária dos ianomâmis isente criminosos e culpabilize as vítimas. Não é apenas o Brasil que está de olho nessa realidade cruel, mas todo o mundo. O país tem a obrigação de mostrar seu comprometimento com a proteção dos povos originários e de reforçar que a boiada não mais passará. Lei é para ser cumprida. Aqueles que cometem crimes devem ser julgados e condenados. Chega de impunidade. Os indígenas merecem respeito. Que seus direitos, efetivamente, prevaleçam. Basta de tanta barbárie.

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