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Artigo: É hora de repensar a escola

MOZART NEVES RAMOS - Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto

Os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) do Ministério da Educação (MEC), como também alguns estaduais, como o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), mostraram que a pandemia provocou uma queda significativa na aprendizagem escolar, acompanhada de um aumento de desigualdade educacional. O impacto foi mais sentido nas crianças em fase de alfabetização e concluintes dos anos iniciais do ensino fundamental. Essa queda foi ainda mais relevante na disciplina de matemática, como resultado do maior efeito escola sobre ela do que em língua portuguesa.

O Brasil é um dos países cuja educação mais foi impactada pela pandemia, em decorrência não só do número elevado de dias com prédios escolares fechados, especialmente no setor público, como também pela ausência de acesso às novas tecnologias. Agora é hora de nos inspirarmos na canção "Volta por cima", do compositor Paulo Vanzolini, escrita na década de 1960, que diz: "Reconhece a queda/ e não desanima. / Levanta, sacode a poeira / e dá a volta por cima".

Vamos precisar literalmente fazer isso. E, para colocar em prática essa composição, o MEC precisa agora, no início do ano letivo, convidar estados e municípios para traçar um plano de recomposição da aprendizagem escolar em regime de colaboração — algo que os irmãos cearenses sabem fazer muito bem.

Precisamos, nesse novo ambiente, tirar proveito da parte positiva (ela existe) que a pandemia nos deixou. As escolas e suas redes de ensino não podem mais traçar o seu planejamento sem incluir uma política robusta do uso das novas tecnologias no processo de ensino e de aprendizagem, até porque, para dar conta dos deficits de aprendizagem, vão precisar mais do que nunca delas — por exemplo, apoiando estudantes em um programa de aulas invertidas, especialmente aqueles que mais foram impactados pela pandemia.

Nesse sentido, o MEC, em colaboração com os demais ministérios envolvidos, precisa destravar o uso dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que tem mais de R$ 20 bilhões em caixa, para prover internet com banda larga aos estudantes e professores das escolas públicas, que na maioria dos casos ficaram a ver navios durante a pandemia porque não tiveram acesso a esses serviços.

Mas a solução não se resume exclusivamente às novas tecnologias, internet e banda larga. Isso é ponto de partida e não de chegada. Para ter maiores chances de sucesso no processo de recomposição da aprendizagem, será preciso incluir a oferta de uma educação integral, que incorpore intencionalmente no currículo escolar as chamadas competências socioemocionais, tais como criatividade, pensamento crítico, colaboração e perseverança. Isso implica estimular uma nova sala de aula que saia do atual sistema de alunos enfileirados para um ambiente que estimule e promova um universo de pesquisa entre os alunos, enquanto o professor exerce o papel mais de mentor do que de instrutor de conteúdos.

Vários estudos revelam que estudantes com tais competências bem desenvolvidas não somente absorvem o aprendizado de forma satisfatória como também se preparam melhor para a vida, com mais autonomia e maiores chances de colocar em prática o seu projeto de vida.

Nesse contexto, o país tem a seu favor a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como uma importante bússola das aprendizagens essenciais que precisam ser asseguradas aos estudantes ao longo de toda a Educação Básica — da Creche ao Ensino Médio.

O planejamento não pode ficar fora disso, obviamente. Sem um bom planejamento, não vamos muito longe. Trabalhar o chamado planejamento reverso pode ser um bom caminho, cujo foco é o aluno e não o professor. Isso implica realizar avaliações diagnósticas para acompanhar o desenvolvimento dos estudantes em relação às metas de aprendizagem traçadas. O Brasil precisa entender de uma vez que não será mais possível a "política do tamanho único".

Cada aluno tem o seu ritmo e o seu tempo de aprendizagem. Olhar a média é como colocar a cabeça no forno e os pés no congelador: a média está boa, mas a pessoa está morta. A inteligência artificial já vem ajudando, em vários países desenvolvidos, a monitorar o desenvolvimento de cada aluno, contribuindo sobremaneira no processo de ensino e de aprendizagem.

Esses últimos anos nos revelaram muitas coisas, abrindo nossos olhos para o tamanho do atraso educacional brasileiro, que já era evidente mesmo antes da pandemia. Não podemos mais ficar para trás — se, de fato, o país quiser ser protagonista do seu futuro. As nossas crianças e os nossos jovens precisam de uma nova escola — não mais essa que aí está.

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