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Análise

Artigo: A tragédia maior

O novo brasileiro está fazendo esforço legítimo para se credenciar na diplomacia na qualidade de parceiro relevante na política internacional, além de modificar a maneira de tomar decisões dentro do país

PRI-1303-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-1303-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 13/03/2023 04:00

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

É necessário ter cuidado na crítica prematura ao governo Lula porque ele teve o mérito de desafiar e vencer a extrema direita brasileira, aliada a militares golpistas e empresários sintonizados com práticas do século passado. O novo brasileiro está fazendo esforço legítimo para se credenciar na diplomacia na qualidade de parceiro relevante na política internacional, além de modificar a maneira de tomar decisões dentro do país. São mudanças profundas, sérias, que exigem reflexão.

O problema é a escassez de tempo. Lula já não mais é um garoto. A vida lhe concedeu essa maravilhosa chance de governar o Brasil pela terceira vez ao lado de uma mulher nova, simpática, bonita e disposta. Ele passou pelos 580 dias de prisão, período em que sofreu a perda de familiares e disse adeus a companheiros do quilate do Sigmaringa Seixas — amigo de fé e irmão camarada, conselheiro e articulador discreto. Muito sofrimento, angústia e autocontrole para evitar que as mágoas sejam maiores que as esperanças. Fundamental é construir novas referências onde só aconteceu desalento.

O desafio é pesado porque não é apenas pessoal. A cúpula do Partido dos Trabalhadores foi diretamente afetada pelas investigações de corrupção ocorridas nos últimos tempos na Petrobras e arredores. Muita gente foi presa. E várias histórias ainda não terminaram. Remanescem inconclusas. Os principais personagens estão em liberdade por consequência de interpretações judiciais complexas, mas os fatos continuam a atormentar as lideranças do novo governo brasileiro. O passado não pode ser simplesmente varrido para debaixo do tapete da história.

Além disso, o mundo mudou. Os países chamados de comunistas passaram a praticar um tipo de capitalismo com intensidade que assusta até o governo dos Estados Unidos. A China disputa o posto de maior economia do mundo. Incorporou à sua economia mais de 400 milhões de consumidores, o que significa um mercado do tamanho da Europa Ocidental. Os jovens comunistas não exportam revolução, querem fazer negócios, crescer, criar uma sociedade inclusiva com desenvolvimento tecnológico que se expande em velocidade estonteante. Isso nada tem a ver com a ideologia dos jovens rebeldes dos anos sessenta do século passado, nem com os correligionários de Fidel Castro. O exemplo de Cuba ficou na história.

Lula, nos últimos dias, tem aparecido na televisão um tom acima de seu normal. Ele se mostra ansioso, nervoso e com pressa para atingir seus objetivos. É razoável diante da enormidade do desafio. Mas é insuficiente para atingir os resultados pretendidos. Sua equipe, dividida entre os antigos e os novos conceitos da esquerda, ainda não estabeleceu os caminhos. Não há clareza quanto aos rumos da política econômica, nem da convivência com a oposição no Congresso. Além disso, como é normal no processo político, há uma disputa antecipada pela sucessão de Lula. Ele terá mais de 80 anos na próxima eleição. O PT deverá ter outro candidato à Presidência.

Mas o eventual sucesso do sucessor de Lula depende, muito, do resultado da gestão do atual quadriênio. Se o governo fizer uma boa administração, poderá apresentar um candidato com chances melhores de vitória. Caso contrário, abrirá oportunidade para que a extrema direita retome o poder e refaça seu caminho aliada aos conceitos de Donald Trump e da direita norte-americana. Os brasileiros descobriram com surpresa que existe no Brasil uma extrema direita forte, organizada e agressiva. Ninguém mais pode duvidar dessa realidade. Portanto, é prudente pensar antes de agir para não entregar o poder ao adversário por consequência de arroubos juvenis.

Faltam, até agora, ao governo, conselheiros capazes de uma boa conversa com olhos voltados para o horizonte e não para a próxima eleição. Ou seja, uma Presidência à altura dos desafios da conjuntura mundial que é muito diferente daquela vivida pelos jovens cabeludos nos anos sessenta e setenta. Os desastres acumulados pela administração de Dilma Rousseff devem servir de parâmetro para demonstrar que a simples vontade não move montanhas. Fazer política é caminhar pelas linhas de menor resistência. Confrontar não constrói nada, além de desavenças.

Naquele governo, as sucessivas intervenções nas taxas de juros, no mercado financeiro e no mundo administrativo resultaram em recessão econômica e desastre político. Repetir ações semelhantes não homenageará a inteligência de ninguém, mas poderá produzir resultados semelhantes, o que no caso poderá significar entregar o poder ao adversário. Ideólogo importante da esquerda já disse que quem não aprende com as lições do passado tende a vivê-las novamente. É uma simples questão de escolha.

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