EDITORIAL

Visão do Correio: Os laços que unem Brasil e China

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva adiou a viagem à China, por questões de saúde, mas tem a exata noção da importância da relação do Brasil com o país asiático. Há menos de dois meses, o líder brasileiro esteve com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, dentro da estratégia de reforçar o papel do país como ator de relevância internacional. Mas, diante da evidente ascensão chinesa na liderança global, a visita é vital, contudo a determinação é não ferir as suscetibilidades norte-americanas.

China e EUA são os principais parceiros comerciais do Brasil, e a meta é reforçar esses laços como caminho para a tão esperada retomada do crescimento nacional. Em 2022, o comércio do Brasil com os chineses foi de US$ 150,4 bilhões (R$ 790 bilhões), 21 vezes maior que o registrado em 2004, quando o líder brasileiro desembarcou pela primeira vez na nação asiática. Com os Estados Unidos, o movimento comercial, no ano passado, chegou a US$ 88,7 bilhões (R$ 465,4 bilhões).

Ao contrário da rápida viagem aos EUA — que teve como principal pilar o agradecimento do presidente brasileiro ao apoio imediato dos norte-americanos à sua eleição e ao repúdio aos ataques terroristas de 8 de janeiro —, na China, as ambições do Brasil são políticas e econômicas. Lula será o primeiro chefe de Estado a ser recebido pelo presidente chinês, Xi Jinping, depois da sua reeleição para um terceiro mandato.

Quando a delegação presidencial for à China, a perspectiva é de que sejam firmados mais de 20 acordos de cooperação em áreas estratégicas, como aerospacial, economia digital, indústria e meio ambiente, com foco nas mudanças climáticas. Tudo indica que será criado um fundo verde, cujos recursos serão destinados, entre outros, à transição energética.

É quase certo que será anunciada a retomada da produção de automóveis — desta vez, elétricos — na antiga fábrica da Ford, em Camaçari, na Bahia, pela montadora chinesa BYD, além da participação de empreiteiras chinesas na construção de uma ponte ligando Salvador a Itaparica. Também se prevê o acerto para a instalação de uma unidade de produção de semicondutores no Brasil. Lula sabe que tais projetos, se concretizados, serão uma importante demonstração de sua capacidade de articulação para recolocar o país no rol do capital internacional, que vê muitas oportunidades na economia brasileira, apesar das incertezas que tanto vêm sendo alardeadas por agentes financeiros.

No campo político, a principal intenção do presidente Lula é retirar do líder chinês apoio para a proposta do Brasil a um acordo de paz que ponha fim à guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O conflito dura mais de um ano, com consequências pesadas para a economia mundial. Em fevereiro, a China divulgou um plano para um cessar-fogo, mas sem prever a desocupação de territórios ucranianos pelos russos, o que foi visto com enorme ceticismo pelos países ocidentais. O projeto de Lula é que o acordo pela paz seja tratado em um grupo de nações não envolvidas diretamente nos bombardeios.

Para o Brasil, a reaproximação com a China é vital, mas sempre reforçando a tradição de pró-multipolaridade. O país hoje comandado por Lula tem capacidade para exercer sua diplomacia no mais alto nível e, claro, para ampliar os laços comerciais que resultem no incremento da riqueza nacional, por meio de mais investimentos na produção, na geração de emprego e na distribuição de riqueza.

A economia brasileira não dispõe de poupança interna suficiente para tocar projetos de interesse da sociedade, em especial, na área de infraestrutura. Portanto, abrir as portas ao capital estrangeiro é essencial, o que requer, além de bons projetos, um ambiente econômico amigável, estabilidade de regras, segurança jurídica, contas públicas sob controle, juros mais baixos e pacificação na política. Em alguns desses quesitos, o Brasil ainda necessita fazer o dever de casa. Dinheiro, sabe-se muito bem, não aceita desaforos.

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