MOZART NEVES RAMOS — Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto
A tendência de queda na taxa de fecundidade está levando à redução expressiva da natalidade em quase metade dos países, abaixo do chamado nível de reposição — indicando que o número de filhos por família é insuficiente para manter o tamanho da população nesses locais. O Brasil se enquadra nesse perfil, sua pirâmide demográfica está mudando rapidamente. A base cada mais estreita e o topo alargando e crescendo.
Quando, há décadas, a Coreia do Sul percebeu essa tendência, entendeu que o caminho para o país se manter sustentável seria prover uma boa educação para sua juventude, pois só um aumento de escolaridade não daria conta. Com isso, o país poderia pensar num expressivo aumento de sua riqueza medida pelo Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
Naquela oportunidade, para mobilizar o país pela causa da educação, a Coreia criou o slogan Febre de Educação. E o resultado é esse que nós estamos vendo — um país próspero e pujante, com uma educação entre as melhores do mundo. O Brasil pode aprender com a Coreia, apesar das inúmeras diferenças culturais e políticas.
Para isso, vamos tratar com seriedade a causa da educação. A educação em nosso país sofre demais com as descontinuidades das políticas públicas. Perde-se, com isso, muita energia, esforço e recursos. Isso me parece agora o caso do chamado Novo Ensino Médio: revogar ou aperfeiçoar. Enquanto brigamos, um jovem deixa o ensino médio por minuto em nosso país, é só fazer as contas.
O país debate, intensamente e de modo muito polarizado, a revogação ou o aperfeiçoamento do Novo Ensino Médio criado pela Lei n° 13.415/2017. Antes, contudo, de trazer minha opinião para o centro do debate, creio que vale a pena registrar alguns números do ensino médio antes da referida lei.
Dados de 2017 obtidos do Portal QEdu.org.br mostram que, de cada 100 alunos que concluíam o ensino médio na rede pública do Brasil, apenas cinco aprendiam o que seria esperado em matemática; em língua portuguesa, esse número crescia, ligeiramente, para 24. Mais do que isso, 759.564 eram reprovados e outros 437.323 abandonavam a cada ano as escolas de ensino médio. Um verdadeiro desastre educacional. Ou estou equivocado?
Dos que concluem o ensino médio no Brasil, estima-se que apenas 22 de cada 100 alunos conseguem ingressar no ensino superior. O que fazer com os outros 78? Muitos desses bateram no teto do ponto de vista de expectativa de desenvolvimento pessoal e social, e só fazem engrossar as fileiras dos que nem estudam, nem trabalham. Até porque o ensino médio de então não dava formação técnica profissionalizante para o mundo do trabalho. O pior é que grande parte desses terminavam lamentavelmente contribuindo para aumentar a taxa de homicídio juvenil.
Estava claro que o país precisava tomar uma medida urgente para reverter esse quadro, e a Lei 13.415/2017 veio romper com essa situação, oferecendo um ensino mais flexível e diversificado, em consonância com o projeto de vida do jovem. Ela trouxe na sua estrutura a alternativa de o estudante cursar todo o ensino médio mediante uma formação técnica profissionalizante, de modo que parte daqueles 78 pudessem ter maiores chances de ingressar no mundo do trabalho. Nesse novo modelo, o ensino médio é composto de uma parte comum de 1.800 horas que todos os alunos devem cursar e outras 1.200 horas de acordo com seus interesses futuros, os chamados itinerários formativos. Até aqui, posto no papel, tudo parece perfeito e adequado aos novos tempos, mas, infelizmente, esse novo ensino médio tem algumas imperfeições, o que, na minha modesta opinião, não justifica sua revogação.
A seguir cito três dessas imperfeições. A primeira, de natureza política, parte da comunidade da área da educação, especialmente vinculada ao ensino superior, que não aceitou o fato de que esse novo ensino médio tivesse sido criado por medida provisória (MP), sem um debate mais ampliado. Mas o então ministro da Educação, Mendonça Filho, fez isso para dar celeridade e prioridade à questão no Congresso Nacional. Isso, entretanto, teve um custo político junto à comunidade. Não vamos nos esquecer, por seu lado, que o debate em torno do ensino médio se arrastava por mais de cinco anos naquela casa. É notório, e precisamos reconhecer, que a Lei 13.415, oriunda dessa iniciativa, veio com algumas imperfeições, que podem ser agora corrigidas. Faltava também clareza em alguns pontos dessa lei.
Outra dura crítica refere-se ao fato de que houve uma subtração na carga horária destinada às disciplinas ou componentes curriculares vinculados às humanidades. Isso também pode ser corrigido. Não há dúvida de que os nossos jovens vão precisar cada vez mais delas para viver neste século de profundas crises éticas e sociais.
Outro aspecto consiste em como assegurar que todas as escolas de ensino médio, especialmente as que estão nas pequenas cidades brasileiras, venham a oferecer todos os quatro itinerários formativos atrelados às quatro áreas do conhecimento. Esse novo ensino médio é estruturado por áreas de conhecimentos e não por disciplinas para fortalecer a interdisciplinaridade. E isso, naturalmente, é um grande desafio, que precisa mesmo ser considerado, assim como avaliar no Enem os alunos que optarem por fazer o curso técnico profissionalizante.
Apesar desses desafios que o novo ensino médio apresenta, nada justifica sua revogação. Ele tem o apoio dos secretários estaduais de Educação, e muito dinheiro já foi investido nisso. É hora de pensar naquilo que interessa à nossa juventude e ao país, fazendo isso com equilíbrio e maturidade, pois esse tem sido o caminho conduzido corretamente pelo ministro da Educação, Camilo Santana.
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