FABRÍCIO MEDEIROS - Advogado, mestre em direito e professor universitário
A legislação eleitoral há muito reclama por aperfeiçoamentos que superem os retalhos legislativos preocupados com o tamanho e a disposição dos adesivos com propagandas, com a posição dos cavaletes nas calçadas, com o volume que reverbera do minitrio e outras filigranas irrelevantes para o fortalecimento da democracia brasileira.
Nesse sentido, é preciso repensar o modelo de prestação de contas dos partidos políticos. É que, além de ilógico, o atual regime amesquinha o direito de defesa das agremiações em detrimento da necessidade de julgamento, em até cinco anos após a data da apresentação das contas à Justiça Eleitoral, sob pena de não poder ser aplicada nenhuma sanção.
Um observador minimamente atento ao cenário partidário no Brasil, mais precisamente ao exame das contas partidárias, deve estranhar o grande número de desaprovações das contas dos partidos políticos e dos candidatos, bem como o não incomum julgamento dessas contas pela Justiça Eleitoral na undécima hora para evitar a ocorrência de prescrição quinquenal.
Não se pode ignorar que, com o incremento do financiamento público da democracia brasileira, as contas partidárias passaram a ostentar maior grau de complexidade, seja pelas vultosas quantias de recursos públicos movimentados, seja pela aplicação vinculada desses recursos por imposição legal ou por obrigação proveniente de decisões judiciais.
Como se não bastasse, os partidos ainda se deparam, ano após ano, com exigências cada vez mais surpreendentes e inovadoras emanadas dos setores contábeis que assessoram os magistrados eleitorais, quase todas impossíveis de serem cumpridas porquanto relacionadas a fatos ocorridos em exercícios financeiros já executados.
A desaprovação de cambulhada das contas partidárias anuais é, diante desse cenário caótico, questão de tempo. É preciso caminhar no sentido da adoção de um modelo que possa emprestar racionalidade às prestações de contas dos partidos políticos (e por que não também às dos próprios candidatos?) sem, no entanto, descuidar do imperativo de transparência que deve presidir a gestão de recursos de origem pública.
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Para tanto, deve-se partir de duas premissas constitucionais, a primeira delas já anunciada anteriormente: (1) o princípio republicano com o seu sucedâneo de transparência imposto a todo e qualquer gestor de recursos de natureza pública; (2) a competência da Justiça Eleitoral para julgar as contas partidárias e eleitorais.
Atento a essas duas premissas, propõe-se uma reflexão em torno da criação de uma modalidade optativa de prestação de contas partidárias com auditoria em tempo real. Esse modelo poderia ou não ser adotado pelos partidos políticos, no lídimo exercício da sua autonomia constitucional, por meio da contratação de empresas de auditoria e conformidade previamente cadastradas pela Justiça Eleitoral.
Segundo esse sistema, os órgãos partidários nacionais, regionais ou municipais poderiam contratar instituições privadas de auditoria e de conformidade para acompanhar e fiscalizar, em tempo real, a execução financeira anual sob a responsabilidade do partido político, as quais poderiam, inclusive, indicar uma correção de rumos diante de uma execução em descompasso com a legislação vigente, minimizando, assim, a errônea aplicação de recursos de origem pública.
Nessa hipótese, a prestação de contas do órgão do partido político a ser apresentada à Justiça Eleitoral seria acompanhada do balanço contábil do exercício findo, bem como de relatório elaborado pela instituição de auditoria que reflita a real movimentação financeira, os dispêndios realizados e, se for o caso, os recursos aplicados em campanhas eleitorais.
Adotado o regime de auditagem em tempo real, o processo de prestação de contas dos órgãos partidários teria natureza administrativa e seria submetido a julgamento pela Justiça Eleitoral, assegurada a ampla defesa. Nesse caso, as contas somente seriam desaprovadas na hipótese de o relatório de auditoria apresentado não refletir a real movimentação financeira da agremiação, sendo cabível, nessas situações, aplicação de multa à agremiação pela Justiça Eleitoral.
Se a razão de ser do exame das contas partidárias é verificar a escorreita aplicação de recursos públicos e identificar os reais financiadores da democracia, o sistema de auditoria em tempo real pode ser um bom ponto de partida para que, ao lado de outras contribuições, seja possível superar o atual regime que gera, quase que sempre e automaticamente, a desaprovação de contas dos partidos políticos e vem servindo de motivo para o desgaste e enfraquecimento do sistema partidário brasileiro.
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