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Arquitetura

Artigo: É preciso valorizar a importância da pausa e do vazio

Quando da idealização da nova capital, o urbanista Lucio Costa parece ter experienciado uma espécie de epifania, ou ideias iluminadas

 16/05/2022. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Isto é Brasília. Lua e Catedral de Brasília.  -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
16/05/2022. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Isto é Brasília. Lua e Catedral de Brasília. - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
postado em 12/07/2023 06:01

Quando da idealização da nova capital, o urbanista Lucio Costa parece ter experienciado uma espécie de epifania, ou ideias iluminadas. Numa inspiração divina, passou a compor seu projeto, tal como um músico que elabora uma sinfonia. Buscou, como preocupação central de seu trabalho, implantar entre as áreas cheias, ou que receberiam construções e rodovias, o mesmo porcentual de áreas vazias, ou ocupadas apenas por vegetação.

Mais do que seguir as diretrizes pregadas pelo Modernismo na arquitetura, que propunham a construção de cidades jardins, com setorização de serviços, o urbanista anteviu em seu projeto, todo ele feito à mão em seus pormenores, que essa composição arquitetural deveria, para obedecer os conceitos que regem uma composição harmônica e bem resolvida, intercalar entre os sons, ou seja, entre as construções, áreas proporcionais destinadas ao silêncio e ao vazio, representado pelos jardins e gramados.

Não fosse o silêncio entre as notas, não haveria composição que pudesse ser apreciada por quem quer que seja. A importância do cheio corresponde à imponência do vazio. Sem um conceito simples como esse, mas de difícil entendimento por muitos, não haveria como erguer uma cidade como Brasília, patrimônio cultural da humanidade.

Falar em solidão ou em desperdícios de áreas é fácil, quando não se entende ou se despreza a proposta do autor. Preencher esses espaços de paz e de transição, com moradias, comércios e outras construções, como pretendem os empreendedores de imóveis e outros especuladores, que não enxergam senão lucros imediatos e outras vantagens, é o meio mais rápido de destruir esse patrimônio que é de todos e que é único no mundo.

A ocupação desses espaços vazios, sejam eles parques ou simples áreas verdes espalhadas pela área central da capital e pelo seu entorno, interessa apenas a uma minoria, que não sabe o que é e qual o significado de uma obra sinfônica. Quase todos os dias, se ouvem notícias de áreas que são invadidas ou perdidas para grileiros e outros profissionais do crime.

O crescimento desordenado da cidade, açulado por uma casta de políticos locais sem compromisso com a capital, aumenta a pressão pela ocupação das áreas verdes e todo e qualquer espaço que eles considerem vazios e desocupados.

As ações do governo, juntamente com os movimentos originados na própria Câmara Distrital, oscilam ora entre negligência, ora em incentivos abertos a essas ocupações. As discussões sobre novos ordenamentos urbanos da capital, com presença, em sua maioria de pessoas alheias ao conceito de Brasília, só resultam na modificação da carta original que deu sentido à cidade, criando-se novos assentamentos, a maioria sem projetos de impacto ambiental e de infraestrutura, tudo feito para atrair e agradar eleitores.

A bola da vez é o Parque das Garças, situado na extremidade da Península Norte, entre as QI e QL 16, uma área com mais de 16 hectares, com flora e fauna próprias e uma vista de tirar o fôlego. Graças à união dos moradores dessa região e depois de uma luta de anos, a área foi transformada em parque e todos os dias recebe centenas de visitantes.

Agora, alguém, talvez dentro do GDF, teve a insana ideia de transformar aquele paraíso, em mais uma área de construção, dividindo a terra em vários parcelamentos para a obras de unidades imobiliárias, com lotes para comércio, estacionamentos, bicicletário, vias de circulação, e outros espaços.

A ideia maluca é criar área semelhante a que existe hoje no chamado piscinão na estrada do Paranoá, onde a instalação de bares, com venda de bebidas alcoólicas faz a alegria dos frequentadores locais e o terror de quem paga o mais alto IPTU da cidade, que é obrigado a triplicar os cuidados nas estradas diante de tantos motoristas alcoolizados.

Naquele espaço a exploração das áreas é feita por particulares que lá estão desde a sua criação, servindo para o comércio de bebidas e para lucro de dois ou três comerciantes. O piscinão é conhecido hoje por ter se transformado em uma área onde as brigas, afogamentos e bebedeiras ocorrem com frequência, o que acaba afastando muitas famílias do local, temerosas com as confusões provocadas pelos beberrões. Os benefícios da região ainda não chegaram para quem paga altos impostos.

 


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