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Educação

Artigo: A importância de um bom hábito leitor

Estudo do Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), em parceria com a Árvore, plataforma gamificada de leitura, mostra que estudantes que leem mais se destacam no Pisa (Programme for International Student Assessment)

Incorporção da escrita e da leitura às atividades cotidianas ajuda no processo de alfabetização -  (crédito: Caitano Azevedo/Arara Azul)
Incorporção da escrita e da leitura às atividades cotidianas ajuda no processo de alfabetização - (crédito: Caitano Azevedo/Arara Azul)
postado em 14/12/2023 06:00

É intuitivo pensar que, quanto mais uma pessoa lê, melhor leitora ela será. Na perspectiva escolar, quanto melhor o hábito leitor de um estudante, mais alto será o seu desempenho em leitura. Menos evidente, porém, é a importância da leitura até para as disciplinas relacionadas à área de exatas, como matemática.

Um estudo nosso, do instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), em parceria com a Árvore, plataforma gamificada de leitura, mostra que estudantes que leem mais se destacam no Pisa (Programme for International Student Assessment) — uma avaliação internacional de aprendizagem, aplicada a alunos de 15 a 16 anos, cuja a edição mais recente, de 2022, foi divulgada no último dia 5. Um terço dos estudantes brasileiros que leem textos longos (com mais de 100 páginas) alcançou pelo menos o nível 3 em matemática, ciências e leitura no Pisa 2018, em uma escala que vai até seis. Já entre os que leem pouco (menos de uma página), somente 6% conseguiram o mesmo resultado.

É importante ressaltar que o estudo foi feito com base nos microdados do Pisa 2018, em que o foco foi leitura. O Pisa 2022 teve como foco matemática. Ter uma área foco significa que há mais itens da disciplina que possibilitam discriminar melhor o conhecimento dos estudantes, e as perguntas do questionário contextual também se aprofundam nesse domínio. No caso dos alunos, ajuda a entender o quanto se interessam, se dedicam, quais as abordagens utilizadas e os ambientes de aprendizagem que dispõem.

No Pisa 2018, portanto, havia uma série de perguntas sobre o interesse dos jovens pela leitura e a percepção deles sobre a própria proficiência. Por exemplo, se leem fluentemente e são capazes de compreender um texto difícil ou se, ao contrário, precisam ler um texto várias vezes para entendê-lo completamente. A pesquisa mostra que, embora a leitura seja muito importante para todos os alunos, para os mais vulneráveis têm um peso ainda maior, visto que somente 2% dos jovens de baixo nível socioeconômico (NSE) que participaram do Pisa e têm um hábito leitor ruim (leram uma página ou menos no ano) alcançaram o nível 3 nas três disciplinas (matemática, ciências e leitura). Entre os que leram 100 páginas ou mais, foram 10%.

O estudo também analisou a relação da leitura com indicadores socioeconômicos e descobriu que países em que os jovens têm melhor hábito leitor registram PIB mais alto e menor taxa de desemprego entre a população de 15 a 24 anos. Isso foi investigado a partir das respostas dos estudantes aos questionários do Pisa dos anos de 2000 e 2009 e duas variáveis externas: a) PIB per capita dos países; e b) Taxa de Desemprego entre Jovens de 15 a 24 anos. Em ambas, foram considerados os anos de 2007-08 e 2016-17, já que a intenção era verificar variação no percentual de jovens com bom hábito leitor e nos indicadores socioeconômicos dos países no período. Para essas análises, foi utilizado um método chamado regressão com efeitos fixos, tendo como unidade de observação os indicadores dos países, obtidos a partir do World Development Indicators (WDI), que traz informações sobre mais de 100 nações. Esse modelo permite controlar as características específicas dos países que podem afetar o seu resultado econômico, como cultura, hábitos da população, riqueza, continente, além de características não observáveis (não mensuradas).

Esses achados mostram caminhos ao Brasil, mas também trazem alertas importantes, visto que o hábito da leitura ainda não é algo consolidado por aqui: dentre os 79 países avaliados no Pisa 2018, o Brasil é o que possui o maior índice de estudantes que disseram que o texto mais longo lido naquele ano tinha uma página ou menos: 19,6% — ou seja, quase um a cada cinco alunos. Nos países desenvolvidos, que compõem a OCDE, a média é de apenas 5,5%. Na outra ponta, estão os alunos que afirmam ter lido mais de 100 páginas: entre os países da OCDE, o índice é de 41,8%, e, no Brasil, de apenas 9,5%. Todos os países da América Latina ostentam números melhores que os nossos: na Argentina, por exemplo, o índice é de 25,4%. O Chile se destaca com 64% dos estudantes tendo lido mais de 100 páginas, segundo a autodeclaração deles.

A pouca familiaridade dos estudantes brasileiros com a leitura fica evidente quando eles são submetidos a avaliações internacionais, como é o caso do Progress in International Reading Literacy Study (Pirls), que traz textos mais extensos que os do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e exige habilidades mais complexas. Dentre as 65 nações que participaram dessa avaliação de leitura, o Brasil teve resultados superiores apenas aos da Jordânia, do Egito e da África do Sul e aparece estatisticamente empatado, dentro do intervalo de confiança, com Irã, Kosovo e Omã.

Investir em programas de incentivo à leitura, em especial para garantir que esse seja um hábito de crianças mais vulneráveis, é fundamental não apenas para o indivíduo e o seu sucesso escolar, mas para o país como todo, como revelam as evidências sobre o assunto.

Ernesto Martins Faria - Diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)Lecticia MaggiGerente de Comunicação no Iede.

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