ARTIGO

Milei, Davos e o dinheiro que não aceita desaforo

Davos é uma oportunidade ímpar, pois são raros os encontros que proporcionam diferentes atores globais importantes em um único lugar

Milei, Davos e o dinheiro que não aceita desaforo -  (crédito: Luis ROBAYO / AFP)
Milei, Davos e o dinheiro que não aceita desaforo - (crédito: Luis ROBAYO / AFP)

» Guilherme Frizzera, doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do bacharelado em relações internacionais do Centro Universitário Internacional (Uninter)

 

Anualmente, todo mês de janeiro, praticamente todo o PIB mundial se reúne na pequena cidade suíça de Davos. Durante uma semana, o Fórum Econômico Mundial reúne presidentes da República, ministros de Estado, lideranças econômicas e financeiras, ativistas e membros da sociedade civil para discutir sobre o futuro do mundo, principalmente as questões relacionadas à economia, e, nos últimos anos, sobre as mudanças climáticas e políticas sustentáveis.

Para os presidentes recém-empossados, essa é a primeira ocasião para se apresentar ao mundo, minimizando as dúvidas, confirmando algumas impressões e garantindo (ou não) a confiança dos donos do dinheiro. Davos é uma oportunidade ímpar, pois são raros os encontros que proporcionam diferentes atores globais importantes em um único lugar.

O maior destaque, vindo dos Alpes Suíços no encontro realizado neste primeiro mês, foi o discurso do presidente argentino, Javier Milei. Durante 25 minutos, Milei teve a oportunidade de demonstrar, de forma concreta, quais seriam as medidas pretendidas por seu governo para reverter a gravíssima crise econômica que acomete a Argentina. Milei teve um palco, um púlpito e uma audiência para anunciar as balizas econômicas e financeiras consideradas fundamentais para trazer confiança dos donos do dinheiro e investimentos externos sólidos para a Argentina. Mas, como já esperado pelos analistas de política, resolveu utilizar esse cenário para realizar um discurso vazio de propostas e de ideias.

Estava presente no discurso do presidente argentino todo o roteiro já manjado da nova direita internacional. Destaca-se um ponto importante no discurso: Milei afirmou que o mundo vive a melhor fase de sua história, e isso ocorre por conta do capitalismo. Porém, ao mesmo tempo, esse mesmo mundo passa pela ameaça do avanço do socialismo. É uma contradição que mostra o fraquíssimo discurso do governante argentino — afinal, ou estamos bem por conta da consolidação e do avanço do capitalismo, ou estamos sob ameaça, pois o socialismo se expande no mundo. Em se tratando de economia e por lógica, as duas coisas não podem ocorrer ao mesmo tempo.

A vitória de Donald Trump para presidente dos EUA em 2016 e a de Jair Bolsonaro para presidente do Brasil em 2018 mostraram que o discurso das lideranças da nova direita tem pontos em comum. O risco eminente do inimigo comunista, os valores da civilização ocidental sob ameaça, os movimentos sociais e as ONGs com as suas agendas antiliberais formam um checklist facilmente encontrável em suas falas.

Não se oferece mais um diagnóstico e muito menos a solução para um problema concreto, real e que afeta o cotidiano das pessoas, mas vende-se um palavreado vazio, apontando inimigos e mazelas irreais, voltado somente para a sua audiência. São discursos de coaching, e não de política. No caso de Milei, o aspecto de coaching já se fez presente desde a sua posse, quando ele apontou que a situação ruim da Argentina iria piorar mais, numa espécie de salvo-conduto para as ações que serão tomadas, mas garantindo um futuro promissor depois de alguns anos. "Sem dor, sem ganho."

No encontro do Fórum Mundial de Davos de 2019, a grande expectativa dos donos do dinheiro era conhecer o presidente Bolsonaro. Depois de cinco minutos de discurso, a percepção geral foi de decepção, pois esperavam que o presidente brasileiro falasse mais sobre o que ele pretendia fazer. Para quem estuda as relações internacionais, o resultado é bem conhecido: tanto no aspecto político quanto no econômico, o Brasil se tornou um pária internacional. Mas aqui há de se destacar que Bolsonaro assumiu o governo brasileiro herdando certa estabilidade econômica e construindo alguma base política, resultando em uma certa margem para poder realizar discursos voltados apenas para a sua base eleitoral. Esse cenário é completamente distinto para Milei, pois ele assumiu um país afundado em uma crise econômica e sem muita base de apoio político no Congresso.

Milei estreou muito mal em sua primeira participação internacional. A sua exposição, provavelmente, não convenceu nenhum dono de dinheiro sério, além de ter confirmado muitas das impressões prévias que havia sobre o presidente argentino. Como Milei se autointitula um "ultraliberal", é bom ele se lembrar de uma velha máxima financeira: o dinheiro não aceita desaforo. E muito menos os donos dele.

 

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postado em 21/01/2024 06:00
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