FÁTIMA SOUSA
Professora associada do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília
O Brasil, especialmente o Distrito Federal, mal saiu de uma triste e traumática pandemia de covid-19 e já enfrenta uma epidemia de dengue e outras arboviroses, que há décadas são anunciadas. Essa situação reflete a fragilidade do país e de sua capital em lidarem com crises sanitárias e suas sequelas. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, se apresenta frágil diante de novas crises sanitárias, demonstrando a necessidade de maior preparo e resposta eficiente por parte das autoridades de saúde, uma vez que as arboviroses não estão circunscritas apenas ao território brasileiro.
Um fator crucial para o surto de dengue é o desenvolvimento urbano desordenado e excludente que ocorre desde a década de 80 do século passado até hoje. Realidade visível nas periferias das cidades e, no caso do DF, em suas principais avenidas, eixinhos, quadras e demais setores, com seus ambientes propícios para a proliferação do Aedes aegypti.
Embora as condições climáticas também contribuam para a explosão de casos, é fundamental que os governos tratem essa doença como uma emergência sanitária e se preparem de forma eficiente e humanitária para preveni-la durante todo o ano. Isso inclui uma forte atuação do poder público nos territórios propícios à reprodução do mosquito. Nesse sentido, é importante problematizar a situação da população que vive em situação de rua, periferias e favelas, que muitas vezes não dispõem de condições financeiras para adquirir materiais de proteção, como repelentes, exigindo abordagens inclusivas e sensíveis por parte dos governantes e seus gestores.
A prevenção da dengue requer não apenas ações de combate ao vetor, mas também a implementação de políticas públicas abrangentes. Além da vacina, é necessário pensar em outras estratégias de prevenção e cuidado com as cidades e com as pessoas, campanhas de conscientização, gestão da informação e tradução do conhecimento para que as famílias e comunidades também se apropriem dos conteúdos e se tornem protagonistas do seu autocuidado.
Cuidar das cidades significa garantir a infraestrutura adequada, como sistemas de saneamento básico eficientes, coleta adequada de lixo e espaços públicos limpos e bem conservados. Além do investimento em medidas de prevenção, como o combate ao acúmulo de água parada, criadouro para o mosquito transmissor da dengue. Para garantir uma infraestrutura adequada nas cidades, faz-se necessária uma gestão eficiente de resíduos sólidos, manutenção adequada de vias e infraestruturas, planejamento urbano sustentável, energias renováveis e eficiência energética.
Cuidar das pessoas significa promover a conscientização e educação permanente sobre a doença, sintomas e formas de prevenção. E ainda, garantir o acesso aos serviços de saúde de qualidade, como unidades de atendimento e tratamento adequados, além de ampliar as ações intersetoriais e fortalecer as vigilâncias sanitária e epidemiológica a fim de identificar precocemente os casos de dengue e monitorar a evolução da doença, permitindo uma resposta rápida e direcionada, com a mobilização de recursos e equipes de saúde. Os governantes também devem garantir que haja recursos suficientes para o atendimento adequado, incluindo a disponibilidade de leitos hospitalares, materiais e medicamentos necessários para o tratamento.
No que se refere à vacinação, é importante considerar investimentos em instituições nacionais, como o Instituto Butantan, que há anos desenvolve vacinas contra a dengue. Isso garantiria a soberania sanitária do país, com produção nacional mais eficiente e econômica, em contrapartida à dependência de laboratórios estrangeiros que, diante da elevada demanda e exigência de duas doses, têm limitações na entrega da vacina para o Brasil.
Por fim, o apelo ao Exército por parte do governo do DF parece revelar uma compreensão limitada do problema. A abordagem da dengue requer ações integradas e estratégias multidisciplinares, envolvendo não apenas as forças militares, mas também profissionais de saúde, pesquisadores e a população em geral.
Desse modo, faz-se necessário o trabalho para criar ambientes mais saudáveis e seguros, protegendo a população contra doenças e melhorando a qualidade de vida de todos. Insisto, trata-se de um esforço coletivo que envolve a participação e colaboração de autoridades sanitárias, governos, profissionais de saúde e da comunidade, pois as ações de combate à dengue devem ser contínuas e não apenas uma resposta imediata ao caos. É preciso prevenir novos surtos e proteger a população.
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