Mudança climática

Babilônia

As autoridades querem fazer do Brasil uma potência emissora de carbono, e não uma potência sustentável

Plataforma de petróleo da Petrobras  -  (crédito: Reprodução Petrobras )
Plataforma de petróleo da Petrobras - (crédito: Reprodução Petrobras )
postado em 18/02/2024 06:00

» Marcelo Coutinho, Professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e analista sênior de hidrogênio

O Brasil bateu recorde de produção de petróleo e gás natural. 2023 foi o ano mais quente da história. A Petrobras prevê investimentos de 102 bilhões de dólares entre 2024 e 2028 em gás e petróleo. O planeta registra 12 meses seguidos de temperatura 1,5ºC acima da era pré-industrial. A Petrobras prevê explorar a bacia da Foz do Amazonas em 2024. Amazonas tem o pior índice de queimadas dos últimos 25 anos. O Brasil deve fazer parte da Opep+. Ciclone causa a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul. A Petrobras diz que vai gastar até R$ 8 bilhões para concluir a refinaria. O governo pode criar estado de emergência permanente para 1.038 municípios. Termelétricas são necessárias para segurança energética. Tragédia no litoral e apagão na capital: chuvas castigaram São Paulo. Transição energética é a orientação de Lula a todos do governo. O Brasil ganha prêmio Fóssil do Dia na COP28.

Câmara aprova subsídios para geração de carvão mineral até 2040. Câmara retira subsídios do hidrogênio verde. Governo apresenta projeto para ampliar mistura do etanol à gasolina em até 30%. Após a explosão das queimadas, a cana-de-açúcar é nova ameaça à Amazônia e ao Pantanal. O Brasil terá a primeira planta-piloto para produzir hidrogênio a partir de etanol. Bioma Cerrado teve 494 mil hectares desmatados em 2023. A Petrobras tem um projeto-piloto para captura de carbono no Rio de Janeiro. A Câmara desaparece com o nome verde do projeto de lei do hidrogênio verde. A Petrobras prevê somente 11% de investimento em transição energética. Desmatamento anual benefício climático do etanol. O Brasil bate recorde de exportação de petróleo. A safra de 2024 será 3,8% menor que a de 2023 por conta de mudanças climáticas. O petróleo aquece a economia do Rio. O calor começa a impactar a inflação e ameaça o preço de alimentos e energia.

Poderíamos continuar com essa longa lista de contradições, mas deve estar suficientemente explícito que o Brasil não vai pelo caminho da descarbonização, e não está preocupado com as mudanças climáticas, ao contrário dos discursos oficiais. As autoridades querem fazer do Brasil uma potência emissora de carbono, e não uma potência sustentável. Nenhuma narrativa cínica é mais forte do que os fatos. E os fatos nos dizem que o Brasil age como um petroestado, um estado carvoeiro, e um estado usineiro, frontalmente contra as belas frases destinadas a engabelação da opinião pública. Pousam na ONU de mocinhos, mas são cada vez mais os vilões de eventos climáticos extremos que podem destruir o mundo como o conhecemos. Isso não é alarmismo, é ciência, e o nosso próprio dia a dia, de forma estampada nas tragédias cotidianas crescentes. E de nada adiantará reduzir as emissões de carbono no fornecimento de energia elétrica se elas aumentam em todo o resto.

Mas o que Brasil tem na cabeça agindo dessa forma? Ambição errada e muita soberba. Quem toma as decisões no país acha que está sendo "esperto" ao passar a perna na transição energética, como um jogador que finta para um lado, mas chuta para o outro, enganando o time adversário, que, no caso, supostamente são as grandes potências imperialistas ou as empresas de petróleo concorrentes ou quem defende o meio ambiente. E assim vamos nós rumo ao abismo climático, em que as nações ricas terão muito mais condições de sobreviver do que nós. Na prática, as nossas autoridades são protecionistas. Protegem a indústria do petróleo e do etanol contra a indústria do hidrogênio verde. Protegem os interesses dos estados produtores de petróleo e etanol contra os interesses dos estados nordestinos vocacionados para produzir hidrogênio verde. Um protecionismo inconsequente que não consegue enxergar um palmo adiante, que destrói a um só tempo a última oportunidade de nos desenvolvermos e a estabilidade do clima que tornou as civilizações possíveis.

Na Bíblia, tanto erro capital quanto soberba têm nome: Babilônia. Em Apocalipse, Deus queima a poderosa Babilônia, a morada dos maus espíritos que corrompeu toda a terra, enganou todas as nações, fez os mercadores enriquecerem com o seu poder e os reis se prostituírem. E com o mesmo piche que queimou Sodoma e Gomorra imorais, a fumaça dessa destruição subirá para sempre como sinal da arrogância e perdição humana. "O vale de Sidim estava cheio de poços de betume", e os reis caíram nele (Gênesis 14:10).

A sanha inebriada e sedenta dos combustíveis fósseis e desmatamentos é o que mais se aproxima na atualidade e em qualquer outra época da história dessa imagem da grande prostituta bíblica, rodeada de tesouros, que seduzem e compram os homens em todos os lugares até levá-los e tudo em volta à ruína, mesmo esses já ouvindo as trombetas anunciarem o fim, vendo a besta se levantar para lhes devorar a própria carne, ateando fogo em todo parte do planeta e devolvendo em dobro na mesma moeda. Os mercadores alucinados de Babilônia não pararão enquanto não virem o mal que tanto veneram partido em pedaços, quando, então, anjos dirão em voz forte: "Caiu, caiu Babilônia, a Grande! Aquela que tem dado de beber a todas as nações" (Apocalipse 14:8 e 18:2).

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