Saudade

Mauro Boianovsky, o acadêmico e o humano

Não dá para afirmar que estava no auge, pois sua carreira foi marcada pela constância na publicação de artigos científicos relevantes internacionalmente que ao todo somam mais de 80. O auge profissional de Mauro foi sua carreira toda

A projeção internacional de Mauro nunca foi pretexto para que ele se afastasse da academia brasileira. Pelo contrário, suas raízes estavam aqui -  (crédito: Editoria de Arte Correio)
A projeção internacional de Mauro nunca foi pretexto para que ele se afastasse da academia brasileira. Pelo contrário, suas raízes estavam aqui - (crédito: Editoria de Arte Correio)
postado em 28/02/2024 06:00

No último dia 21, a comunidade acadêmica da área de economia foi surpreendida com a passagem precoce de um dos seus mais brilhantes nomes, o professor Mauro Boianovsky, da Universidade de Brasília (UnB). Mauro tinha 64 anos e mantinha uma intensa produção intelectual, apenas no ano passado teve publicado três ensaios científicos, todos em revistas internacionais bastante qualificadas. Não dá para afirmar que estava no auge, pois sua carreira foi marcada pela constância na publicação de artigos científicos relevantes internacionalmente que ao todo somam mais de 80. O auge profissional de Mauro foi sua carreira toda!

Essa volumosa produção intelectual é resultado não só de uma sólida formação que envolveu algumas das melhores escolas nacionais, sua graduação foi na UnB e o mestrado na PUC-RJ, como também passagens por grandes centros internacionais. Mauro era PhD pela Cambridge University no Reino Unido e fez dois estágios pós-doutorais na Duke University nos Estados Unidos. Era poliglota, falava vários idiomas, dentre os quais o sueco, que aprendeu para ler os originais de Knut Wicksell, autor do século 19 que até hoje é considerado um dos mais relevantes em política monetária de todos os tempos. A leitura de Wicksell, bem como a de outros grandes nomes como Samuelson, Lucas entre outros, deu a Mauro um refinado conhecimento de macroeconomia e teoria monetária.

Em uma das nossas últimas conversas por mensagem, lhe enviei um trecho do livro mais recente de Oliver Blanchard com uma citação a um artigo dele com Roger Backhouse de 2016 sobre estagnação secular. Quem é acostumado a importar livros acadêmicos de autores internacionais que estão na fronteira do debate na macroeconomia, sabe o quão raro é encontrar uma citação a autores brasileiros. Encontrei essa citação ao artigo do Mauro e o felicitei, pois ser lido e citado por autores referência para o mundo é um atestado de bom trabalho.

Mas Mauro não era macroeconomista. Sua agenda de pesquisa foi a História do Pensamento Econômico (HPE), com a qual ganhou destaque internacional. O seu bom trabalho lhe rendeu o posto de primeiro latino-americano a presidir a History Economics Society (HES) no biênio 2016-17. Tais episódios mostram a dimensão internacional de Boianovsky que, durante anos, foi um dos rostos da pesquisa de ponta brasileira voltado ao mundo.

A projeção internacional de Mauro nunca foi pretexto para que ele se afastasse da academia brasileira. Pelo contrário, suas raízes estavam aqui, participava dos encontros da Anpec com o mesmo entusiasmo e boa vontade que ia em congressos importantes na América do Norte ou Europa. O conheci em 2019, em Curitiba, durante um congresso da Associação Latinoamericana de História do Pensamento Econômico (Alahpe ), sediado na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Na ocasião, Mauro era o keynote speaker que abriria o congresso e eu ainda era estudante de doutorado, trocamos algumas rápidas palavras durante o encontro. Naquele mesmo ano, voltamos a nos encontrar em evento da Anpec, em São Paulo, numa sessão especial que celebrava os 50 anos desde a publicação da tese do ex-ministro Delfim Netto.

Com o advento da pandemia, os encontros presenciais ficaram inviabilizados, embora ainda ocorressem no formato remoto. Apenas em 2022 voltei a encontrar Mauro presencialmente na Anpec de Fortaleza, ali na interessante mescla de um evento acadêmico com uma Copa do Mundo, descobrimos inúmeras afinidades e nos tornamos bons amigos. Desde então falávamos com frequência. Na minha última ida a Brasília, em novembro de 2023 queria vê-lo, mas minha passagem pela capital foi rápida e não conseguimos compatibilizar as agendas. Esperava vê-lo no mês seguinte, dezembro, por ocasião do encontro da Anpec no Rio de Janeiro, o que infelizmente não aconteceu. Mauro foi sempre muito gentil e generoso comigo, como aliás era um traço pessoal dele. Não era afeito a polêmicas, se dava bem com economistas ortodoxos e heterodoxos, da nova e da velha geração. Enfim, uma pessoa que conciliava uma brilhante trajetória intelectual com um temperamento bem-humorado, generoso e cordial.

A partida precoce de Mauro causou, a mim e a muitos na comunidade acadêmica, um grande sentimento de perda. Sua ida repentina não permitiu que recebesse em vida as devidas homenagens pelo seu brilhante legado. Por mais que tenha sido um pesquisador internacionalmente premiado, uma trajetória como a dele merece muito mais reconhecimento. Resta-nos, agora, homenagens póstumas. Obrigado por tudo, professor Mauro Boianovsky.

BENITO SALOMÃO
Doutor em Economia pelo PPGE-Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

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