ARTIGO

Artigo: Para que a educação alcance a todos, o compromisso precisa ser coletivo

Não podemos permitir que o acesso à educação superior seja restrito, pois o que os cortes no financiamento geram é a redução no número de bolsas de estudo disponíveis

. -  (crédito: Kleber)
. - (crédito: Kleber)

» Fátima Sousa, Professora-associada do Departamento de Saúde Coletiva e ex-diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB).

Há exatos 24 anos, em Dakar, 180 lideranças mundiais, entre elas o Brasil, reuniram-se durante o Fórum Mundial de Educação, considerado histórico, cujo objetivo foi discutir e estabelecer metas globais para a educação, resultando na Declaração de Dakar e originando o Dia Mundial da Educação, comemorado em 28 de abril. À época, o documento assumiu o compromisso coletivo de alcançar os objetivos da Educação para Todos para a qual os governos garantiram que os objetivos e metas seriam planejados e alcançados por meio de amplas parcerias no âmbito de cada país.

A declaração dizia que toda criança, jovem e adulto teria o direito humano de se beneficiar de uma educação que satisfizesse suas necessidades básicas de aprendizagem e que incluísse aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. Comprometia-se ainda com vários objetivos, como expandir e melhorar a educação da criança pequena, especialmente as mais vulneráveis e em maiores desvantagens; alcançar a igualdade de gênero até 2005, com ênfase na garantia ao acesso e ao desempenho pleno e equitativo de meninas na educação básica e melhorar todos os aspectos de qualidade; garantir excelência, de forma a assegurar resultados reconhecidos e mensuráveis, especialmente na alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida; e garantir que todas as crianças tivessem acesso à educação até 2015.

O documento se concentra na educação básica. Logo, compreendemos que, para que a educação superior se fortaleça, faz-se necessária uma base sólida e de qualidade nas modalidades de ensino que a antecedem. Porém, o cenário que temos hoje parece não ter sido bem o esperado.

Ao recordarmos a declaração e seus resultados auspiciosos, vimos que não somente houve um esquecimento dos compromissos, mas também um descaso para com a categoria-chave para o alcance dos resultados, e, consequentemente, para o crescimento da nação: nós, os professores, cujas perdas salariais e a desvalorização da categoria são reflexos dos cortes no financiamento das universidades públicas, afetando a produção de conhecimento científico e tecnológico, seja na precarização da infraestrutura, na limitação da oferta de vagas e cursos, nas limitações para a manutenção necessária à qualidade do ensino seja ampliando as dificuldades do país em atrair e reter talentos vocacionados à pesquisa e à inovação, o que reduz nossa competitividade global e de cuidado às reais necessidades da sociedade.

Não podemos permitir que o acesso à educação superior seja restrito, pois o que os cortes no financiamento geram é a redução no número de bolsas de estudo disponíveis, deixando-a menos acessível para estudantes de baixa renda, limitando suas oportunidades de obter uma formação de qualidade e restringindo o acesso a recursos humanos qualificados ao futuro de uma nação promissora como a nossa. Refiro-me aos estudantes que deveriam ser incluídos, mas que adentram cada vez menos aos bancos escolares — quiçá, nas universidades.

Os deveres assumidos por governos, organizações, agências e associações representadas no Fórum em prol da Educação para Todos a partir do desenvolvimento de planos de ação nacionais que aumentassem os investimentos em educação básica; promovessem políticas de educação num marco integrado e sustentável, articulado com a eliminação da pobreza e estratégias de desenvolvimento; garantisse o engajamento e a participação da sociedade na implementação e monitoramento de estratégias para o desenvolvimento da educação; e desenvolvesse sistemas de administração e de gestão educacional participativos estão longe de serem percebidos.

Por isso, não me canso de citar o mestre Darcy Ribeiro: "A causa da universidade brasileira é o Brasil. E o Brasil é nossa tarefa". É fundamental que revivamos nossa memória coletiva a partir das promessas de Dakar e percebamos que muito ainda se tem a fazer para que nossas crianças, jovens e adultos possam, de fato, ter sua cadeira assegurada em nossas salas de aula aprazíveis para todos os níveis de ensino. Até quando vamos deixar isso permanecer de braços cruzados?

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 28/04/2024 06:00 / atualizado em 28/04/2024 06:00
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação