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É preciso descentralizar a avaliação do ensino superior

Há um evidente esgotamento dos indicadores atuais, cuja aplicação não permite mais assegurar que as instituições e os cursos avaliados têm, ou não, qualidade

opiniao 1705 -  (crédito: kleber sales)
opiniao 1705 - (crédito: kleber sales)

LÚCIA TEIXEIRA*

As promessas de reformulação dos instrumentos de avaliação do ensino superior brasileiro e de criação de uma cesta de indicadores, com base em uma consulta pública prevista para o segundo semestre deste ano, foram as melhores notícias da celebração dos 20 anos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), realizada, semanas atrás, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Ministério da Educação (MEC). 

É um bom momento para refletirmos sobre o papel e a relevância desse importante programa governamental, criado em 2004, e sobre a necessidade de uma cuidadosa reforma dos instrumentos que vêm sendo adotados para avaliar a qualidade do ensino superior do país, como as recentes mudanças do Enade para as licenciaturas, que, neste ano, avaliará exclusivamente esses cursos. 

Há um evidente esgotamento dos indicadores atuais, cuja aplicação não permite mais assegurar que as instituições e os cursos avaliados têm, ou não, qualidade. Hoje, mais de 69% das instituições de ensino superior (IES) presenciais e 87% das IES com EAD têm entre 4 e 5 de Conceito Institucional (CI), o que indica que, talvez, tenhamos chegado a um ponto em que o conceito máximo não garante mais a qualidade elevada que o MEC pretende e que as IES procuram obstinadamente atingir em sua oferta educacional.

Quando o Sinaes foi concebido, era essencial organizar um conjunto de normas e procedimentos que permitisse uma opinião objetiva, com uso de combinações adequadas de poder e informação, para ampliar o alcance e a precisão desses instrumentos e garantir que a educação superior atendesse às expectativas e às demandas da sociedade.

Ao longo desse tempo, o Inep, responsável por promover as pesquisas e avaliações periódicas para subsidiar a formulação de políticas públicas educacionais, se consolidou como um organismo de capacidade inquestionável para atender a essa tarefa, avaliando 2.595 instituições, mais de 45 mil cursos de graduação presencial e a distância e 9,4 milhões de estudantes do ensino superior. 

Além desses números de dimensões continentais, vale considerar a qualidade dos quadros mantidos para realizar esse trabalho, todos técnicos com grande experiência e capacidade acadêmica e pedagógica, uma estrutura que precisa ser preservada. Nesse sentido, é importante destacar, também, que o Inep funciona com grande independência em relação ao MEC, nos moldes das agências existentes em países que obtêm bons resultados na educação — o que, não custa lembrar, torna absolutamente dispensável a ideia recém-lançada de criação de uma agência federal específica em sua substituição. 

O ensino superior privado considera promissor o anúncio de que será ampliado o diálogo com as entidades do setor que é responsável pelo funcionamento e pela dinâmica da maior parcela do sistema educacional acadêmico brasileiro. E o Inep tem demonstrado capacidade de diálogo e disposição para mudanças relevantes nas diversas reuniões em que participamos com a equipe do Semesp e outros especialistas.

Os desafios do Sinaes são muitos. As informações e análises qualitativas nos três pilares previstos pelo sistema — o contínuo aperfeiçoamento do desempenho acadêmico, o planejamento da gestão universitária e um processo sistemático de prestação de contas à sociedade — poderão beneficiar a difusão de uma posição que não se resuma à construção de um ranking de instituições baseado na interpretação dos resultados.

É fundamental rever com urgência os indicadores utilizados. E considerar as propostas do segmento do ensino superior privado para retomada de alguns princípios originais do Sinaes, um sistema de avaliação que foi criado para valorizar a missão e o projeto institucional das IES e dar relevância à regionalidade e à pluralidade das instituições de ensino de todos os portes e tipificações existentes no Brasil, pressupostos que, com o decorrer do tempo, foram se perdendo. 

Não podemos continuar a manter um sistema em que essas características e diferenças não sejam levadas em conta, em nome de uma homogeneização que facilita o controle, mas não favorece a consolidação de um ensino superior que demonstre qualidade efetiva. O momento atual recomenda uma reformulação dos atuais instrumentos, com descentralização e avaliação por áreas. E é necessário criar uma cesta de indicadores consistente, que revele a visão multidimensional do sistema, alcançando a diversidade de instituições de ensino superior do país e seus novos desenhos institucionais, e que permita supervisionar a trajetória do aluno e os índices de evasão, medir a empregabilidade, o empreendedorismo e o sucesso do egresso depois de formado. 

A produção de indicadores deverá também dedicar especial atenção às licenciaturas, como preconizam as mudanças recentes adotadas para o Enade. Outra medida é valorizar um processo efetivo de autoavaliação, que está na origem do Sinaes, com a participação e o compromisso da comunidade acadêmica das IES como elemento impulsionador da qualidade, respeitando a diversidade, o impacto social, a sustentabilidade ambiental (ODS e ESG), entre outros.

Colocar todas as IES no mesmo plano de análise, sem considerar as diferentes condições e modelos de instituições e de cursos e a diversidade e a regionalidade estabelecidas pela Lei do Sinaes, não contribuirá para atender aos objetivos de uma ampla e participativa avaliação e para a tão almejada melhoria da qualidade do ensino superior brasileiro.

*Doutora em psicologia da educação e presidente do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil

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postado em 17/05/2024 06:00
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