Opinião

Palmas para um derrotado

Netanyahu recebeu aplausos de muitos congressistas no Capitólio, e penso que o premiê isralense visitou o único lugar do mundo em que pode ser hoje aplaudido. Em Israel, não pode sequer sair às ruas

Benjamin Netanyahu é aplaudido de pé pelos deputados e republicanos dos EUA, em sessão conjunta no Capitólio: em defesa da guerra      -  (crédito: Kent Nishimura/Getty Images/AFP)
Benjamin Netanyahu é aplaudido de pé pelos deputados e republicanos dos EUA, em sessão conjunta no Capitólio: em defesa da guerra - (crédito: Kent Nishimura/Getty Images/AFP)

Carlos Marun

Advogado e engenheiro. Foi ministro de Estado

Em 24 de julho de 2024, a democracia americana viveu mais um dia triste, coisa que tem, infelizmente, se tornado comum por lá. Quase a totalidade dos congressistas republicanos e boa parte dos democratas receberam sob aplausos Benjamin Netanyahu, que, pela sexta vez, discursou no Capitólio, um símbolo da democracia universal, onde esse primeiro-ministro sequer deveria ser autorizado a pisar.

Netanyahu chegou ao poder depois do assassinato por um correligionário seu, com um tiro pelas costas, de Ytzak Rabin, um líder forjado na guerra e que teve coragem de buscar a paz. Convenceu o eleitorado israelense de que ele não precisava de paz, mas de segurança. Recebeu uma procuração desse eleitorado para acabar com o processo de paz. E o fez. Continuou escravizando os palestinos e fortalecendo militarmente Israel, sempre com o apoio incondicional dos Estados Unidos da América. 

Tudo parecia estar correndo bem. É verdade que Netanyahu, para continuar no poder e longe da cadeia, teve que se unir ao que de mais radical existe na política israelense, mas os líderes da maioria dos Estados árabes, contaminados pelo vírus da indignidade, já caminhavam para iniciar negócios com Israel por meio de acordos de paz que se constituíam em tratados comerciais e que esqueciam os palestinos. 

Até que chegou o 7 de outubro. Infelizmente, no lugar de limitar sua ação aos ataques a bases militares de Israel inicialmente praticados, o Hamas permitiu que se instalasse a barbárie de um imenso atentado terrorista. Isso, naturalmente, aproximou de Israel a solidariedade do mundo. E o contra-ataque foi no início imensamente apoiado. Biden foi até lá abraçar Bibi, encostou em Gaza um imenso porta-aviões e autorizou Netanyahu a lá buscar o armamento que quisesse a fim de destruir o Hamas. O conflito acabaria em alguns dias, pensaram muitos. Afinal, em 1967, foram necessários somente seis dias para que Israel derrotasse vários exércitos árabes de uma vez só. 

Mas daí as coisas começaram a fugir do script. Netanyahu não queria só aniquilar o Hamas. Queria aniquilar Gaza. O alvo preferencial passou a ser a infraestrutura do enclave. Seus prédios, suas escolas, seus hospitais, suas igrejas… suas crianças. Um genocídio começou a ser executado, e, desta vez, televisionado. O mundo começou a se horrorizar com o que assistia. O apoio à barbárie praticado pelas Forças Armadas de Israel, sob o comando de Netanyahu, começou a minguar. E a se transformar em um pesado fardo para os que mantinham essa posição.

E os combates? Ali, o fiasco está sendo pior. Em mais de nove meses de luta, são 688 os militares israelenses reconhecidamente mortos e mais de 10 mil feridos. Tudo isso no enfrentamento a um grupo de milicianos famintos e mal armados. E não passaram de sete os reféns vivos libertados. As forças armadas de Israel só têm sido eficientes nos bombardeios aéreos — isso porque não existem armas antiaéreas em Gaza e porque o chão é impossível de errar. E, no chão do “gueto” mais densamente povoado do mundo, as bombas não têm dificuldade para acertar as cabeças de civis — sejam eles homens, mulheres ou crianças, que se protegem sob lonas de barracas. 

Esse novo cenário militar tem animado outros grupos a participarem do conflito em apoio aos palestinos. Aí, se destacando o Hezbollah, que, há anos, acabou com a ocupação militar do sul do Líbano, e os houthis, que, do distante Iêmen, têm sido a novidade e já conseguiram atingir até Tel Aviv. 

Biden, acossado por movimentos internos de repúdio a um genocídio praticado com o uso de munição americana, teve que passar a rever sua posição. Chegou a aprovar na ONU um razoável plano de cessar-fogo, mas tem recebido em troca a costumeiramente ingrata e arrogante resposta negativa de Bibi. 

É esse o Netanyahu que viajou a Washington: humilhado e isolado. Foi pedir mais munição, em um reconhecimento de que sozinho não pode vencer o Hamas. No lugar disso, foi recebido com protestos e apelos por um cessar-fogo tanto de Biden quanto de ambos os candidatos à eleição presidencial. Recebeu também aplausos de muitos congressistas, é verdade, e penso que Netanyahu visitou o único lugar do mundo em que pode ser hoje aplaudido. Em Israel, não pode sequer sair às ruas. 

Porém, eis que, quando isso parece se constituir em mais um episódio do triste fim de carreira da democracia americana, surge o pronunciamento de Kamala Harris, imediatamente após seu encontro com Bibi, e renova as nossas esperanças. Ela, de forma altiva, hipotecou apoio irrestrito à existência de Israel, mas repudiou a forma da vingança de Netanyahu e reafirmou apoio à instalação do Estado da Palestina. Ou seja, a única coisa aproveitável dessa desastrada visita é que aqueles viciados em otimismo, como eu, passamos a ter para quem torcer naquela eleição. 

 

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postado em 31/07/2024 06:00
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