JOSÉ PASTORE — Professor da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. É membro da Academia Paulista de Letras
No Brasil, o INSS enfrenta dois grandes desafios: a demografia e a tecnologia. No campo demográfico, nunca a taxa de fecundidade esteve tão baixa. O número de crianças por mulher (1,6) é insuficiente para recompor a população. Isso provoca uma contração no número de pessoas que podem trabalhar. Na outra ponta, a proporção de idosos (65 anos e mais) cresceu 57% em apenas 12 anos. Isso faz contrair ainda mais a oferta de trabalhadores.
O resultado imediato é crise nas finanças da Previdência Social, porque as despesas com beneficiários de aposentadoria e pensões crescem muito mais depressa do que a receita dos contribuintes. O deficit anual ultrapassa R$ 400 bilhões.
Há outros desequilíbrios. Dos 130 milhões de brasileiros em idade de trabalhar, cerca de 40 milhões estão fora da força de trabalho porque estudam, estão aposentados, doentes ou têm outros motivos. Quase 40 milhões trabalham de modo informal, sem nada recolher à Previdência Social. Mais de 10 milhões são microempreendedores individuais (MEIs), cuja contribuição ao INSS é muito baixa. E cerca de 8 milhões estão desempregados.
Tudo isso solapa as contas da Previdência Social. Se nada for modificado, a alíquota de contribuição ao INSS, que hoje está em torno de 32% dos salários, terá de subir aos estratosféricos 70%.
Muitos argumentam que a tecnologia é a solução para um mundo que contrai a oferta de trabalho. Só em parte. A substituição de seres humanos por máquinas, inclusive, a inteligência artificial (IA), não é trivial. Com frequência, surge um hiato entre as habilidades disponíveis e as exigidas pelas novas tecnologias. Isso porque a habilidade dos trabalhadores deslocados não atende às novas exigências.
Há também um hiato temporal. Quando os deslocados não se reempregam logo, os desempregados, assim como seus ex-empregadores, param de contribuir ao INSS, enquanto as máquinas que entraram em seu lugar (robôs e IA), nada recolhem para a Previdência Social.
As tecnologias têm ampliado as oportunidades para as pessoas trabalharem por conta própria, em grande parte sem vínculo previdenciário. O mundo inteiro procura formas de proteger essas pessoas e arrecadar contribuições previdenciárias. Poucos são os casos de sucesso. Mas há iniciativas animadoras. Na Alemanha, por exemplo, há cerca de 300 profissões nas quais ocorre muito trabalho de freelancers. Elas são amparadas por sistemas de proteção previdenciária. Como funciona?
Por exemplo, o ator que vai trabalhar em um teatro por um ano, o seu contrato só pode ser firmado se ele tiver vínculo com algum sistema previdenciário — público ou privado. Durante o contrato, uma alíquota de 20%, por exemplo, é compartilhada: o ator paga 10%, o teatro, 5% e o governo, 5%. Isso garante o nível de benefício escolhido pelo ator em um sistema de capitalização.
Terminado o contrato, se o ator quiser manter o nível de benefício, ele terá de pagar os 20% durante o período em que ficar sem trabalhar. Mas ele pode pagar menos ou até não pagar nada e manter o vínculo previdenciário, sabendo que isso implicará redução do seu benefício futuro. No próximo contrato, ele pode pagar para compensar as perdas e restaurar o benefício.
No Brasil, o sistema de capitalização foi rejeitado na reforma previdenciária de 2019. Vale a pena repensar. Muitas atividades poderiam ser protegidas com contribuições compartilhadas entre tomadores e prestadores de serviços e até mesmo com governo e consumidores. Nós que pedimos uma refeição em casa não deveríamos ter uma parte da responsabilidade da proteção previdenciária de quem a coloca em nossas mãos?
Não há dúvida. O mundo mudou. O Brasil precisa inovar muito nas leis trabalhistas e previdenciárias.
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