Oriente Médio

Uma receita para o caos

O ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben Gvir, ao Monte do Templo tem um componente político explosivo: carrega a mensagem de que os judeus têm direito absoluto sobre um dos locais mais sagrados para os muçulmanos e para os palestinos

Itamar Ben-Gvir, member of Israel's Knesset (parliament) and head of the one-man far right
Itamar Ben-Gvir, member of Israel's Knesset (parliament) and head of the one-man far right "Jewish Power" (Otzma Yehudit) party, looks on after attempting to march to Damascus Gate in east Jerusalem, on June 10, 2021. / AFP / EMMANUEL DUNAND - (crédito: EMMANUEL DUNAND)

O respeito à fé é valor inegociável para os muçulmanos. Não bastasse o gesto provocativo em si, a visita do ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben Gvir, ao Monte do Templo tem um componente político explosivo: carrega a mensagem de que os judeus têm direito absoluto sobre um dos locais mais sagrados para os muçulmanos e para os palestinos. O Monte do Templo, na parte sudeste da Cidade Velha de Jerusalém, teria sido o ponto onde Abraão ofereceu a Deus o filho Isaac em sacrifício. Na mesma área, estão a Esplanada das Mesquitas e o Domo da Rocha, erguido sobre uma pedra usada pelo Profeta Maomé para subir aos céus. Historicamente, judeus oram diante do Muro das Lamentações, enquanto os palestinos cultuam Alá a poucos metros dali, na Esplanada das Mesquitas. A ruptura dessa ordem é receita para o caos.

Em 28 de setembro de 2000, o ex-primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon, então candidato pelo Partido Likud, visitou o Monte do Templo acompanhado de mais de mil seguranças. O ato desencadeou a segunda intifada (revolta palestina), sepultando qualquer esperança de paz, depois dos acordos de Camp David. Durante o levante, mais de 4,9 mil palestinos foram mortos por Israel — 1.262 crianças. Do lado israelense, foram mais de 640 civis assassinados em atentados ao longo de cinco anos. Na manhã desta terça-feira (13/8), enquanto Ben Gvir caminhava pela Esplanada das Mesquitas, mais de 2 mil judeus da ultradireita o seguiam no "passeio" — muitos se deitaram no chão para orar. A visita foi condenada até mesmo (pasmem!) pelo premiê Benjamin Netanyahu, que advertiu sobre a não mudança do status quo sobre o Monte do Templo.

A atitude de Ben Gvir representa ofensa gigantesca para os muçulmanos. Ela é ainda mais absurda por ocorrer no contexto de uma guerra covarde travada por Netanyahu na Faixa de Gaza. Mais de 40 mil palestinos foram assassinados por Israel, em vingança contra o horrível e abjeto massacre de 7 de outubro de 2023. A justificativa de uma operação militar para eliminar o grupo extremista Hamas soa como suspeita, à medida em que os civis são tratados como "danos colaterais" pelo Exército israelense. Ben Gvir e o próprio Netanyahu semeiam as bases de uma terceira intifada e de um futuro marcado por horror, medo e luto. É inadmissível que os direitos do povo palestino de terem um Estado independente continuem a ser usurpados. É inadmissível que políticos israelenses se achem no direito de utilizar a fé como provocação.

Também é inconcebível que a comunidade internacional não exerça a máxima pressão sobre Israel para que detenha essa guerra inconsequente em Gaza. Tudo o que Netanyahu e seus ministros estão conseguindo é criar uma legião de crianças órfãs, que, futuramente, buscarão vingança, nas fileiras de grupos extremistas. A fórmula é simples: o ódio apenas fomenta ódio.

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postado em 14/08/2024 06:00
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