
Daniel A. de Azevedo — Professor de geografia política da Universidade de Brasília (UnB)
No dia 06 de novembro, no Podcast do Correio, conversamos sobre a eleição do Trump, razões do voto e suas possíveis consequências para o contexto latino-americano. Na ocasião, sugeri que esse mandato seria diferente do anterior, já que a sua mais recente vitória havia sido acachapante tanto em número total de votos (o que não havia acontecido em 2016) quanto na conquista do Legislativo pelo Partido Republicano. Seria um Trump 2.0. E o presidente eleito deixou isso claro. No mesmo dia do podcast, o vencedor das eleições, em discurso, afirmou que "a América nos deu um mandato poderoso e sem precedentes".
E essa nova versão turbinada de Trump pode significar uma guinada na sua tentativa de "Make America great again" (slogan que, em português, significa "Fazer os EUA grande outra vez"). Em seu primeiro mandato, esse bordão já teve repercussão na prática, com a transformação do bloco econômico Nafta em USMCA (acordo de livre-comércio entre México, Estados Unidos e Canadá), a retirada do país de tratados internacionais (como o Acordo de Paris) e a fatídica construção do muro na sua fronteira com o México. Porém, parece ter ficado para esse mandato os grandes temas da geopolítica de escala global.
A balança de poder na geopolítica mundial vem se transformando nas últimas décadas. Na realidade, o xadrez nunca esteve parado, porém suas movimentações atingiram uma tensão sem precedentes no século 21 desde a eclosão da guerra civil da Síria, em 2011, e a consequente participação indireta dos EUA e da Rússia, a tomada da Crimeia (2014) e a continuação desse processo com invasão russa do território ucraniano (2022), além do ataque terrorista do Hamas contra Israel, em 2023, e a guerra que perdura até o momento. Além disso, o avanço da China em todo mundo, em especial, na África e na América Latina, indica que a hegemonia americana não é mais como era no final da Guerra Fria. O jogo vem ganhando novos players e antigos conhecidos que ressurgem.
Essa perda de controle é combustível para discursos políticos nostálgicos, que desejam a volta de uma ordem mundial supostamente superior. Esse fenômeno ocorre mundialmente, como há anos estamos vendo uma consequência direta do espírito imperialista de Putin e sua visão de "Grande Rússia". As bravatas trumpistas podem, para alguns, ser apenas falas incendiárias, quase anedóticas. Nas últimas semanas, o ainda não empossado Donald Trump atacou a Dinamarca quando ameaçou a Groenlândia, e ameaçou o Panamá pela retomada do Canal. O Trump 2.0 é mais belicoso do que o anterior, e isso não é para ser minimizado.
Os casos da Groenlândia e do Canal do Panamá são exemplos geográficos interessantes para entender a geopolítica atual. No primeiro caso, a localização torna a ilha dinamarquesa estratégica na rivalidade americana com a Rússia. Como autores contemporâneos afirmam, hoje vemos o crescimento da criopolítica, isto é, da geopolítica do gelo devido à abertura de novas vias de navegação (por conta do degelo crescente) e à descoberta de importantes recursos econômicos. O ressurgimento da "Grande Rússia" fomenta o desejo de um "Grande EUA". Ambos se retroalimentam.
Já no caso do pequeno país que conecta a América Central à América do Sul, o conflito é com o novo ator global que assusta pelo tamanho e velocidade de crescimento. A China, em 2013, havia incentivado a construção de outro canal na região, porém na Nicarágua, em explícito embate com os EUA. Uma obra avaliada em quase R$ 250 bilhões que nunca saiu do papel. Parece que, nos últimos anos, a estratégia chinesa mudou. Para que gastar esse valor em uma nova construção se é possível dominar a que já existe? O controle dos portos do mundo — e do Panamá — parece uma estratégia mais eficaz. Em 2017, Panamá cortou relações com Taiwan para atender à pressão chinesa e, em 2018, foi o primeiro país latino-americano a assinar a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), a famosa "nova rota da seda". Ter uma das mais importantes rotas marítimas do mundo torna o Panamá uma peça importante no tabuleiro e, sem dúvida, uma potência hegemônica em queda entende bem isso.
A chegada de Trump à Casa Branca evidenciará os novos desafios geopolíticos. A pressão recebida de leste e oeste provoca um presidente que tem a força do voto, pouca barreira no Legislativo e a saudade de um tempo quando seu país foi a principal "polícia" do mundo. Nesse contexto, o risco deve ser cada vez mais evidente para os países da América Latina, que se tornarão ringue. Estamos em uma encruzilhada: ao mesmo tempo em que a hegemonia americana significou tanta intervenção e subordinação forçada na história, o desejo chinês de se tornar dona de terras, infraestrutura, empresas e tudo mais que estiver pela frente não parece ser uma saída promissora no futuro. Afinal, em geopolítica, não há mocinhos — Estados têm interesses, não amigos — e a liderança de instituições supranacionais, como a ONU, parece cada vez mais distante.