Opinião

Pix e compartilhamento de dados entre órgãos do governo

Não seria hora de se debater de forma qualificada como ocorre o compartilhamento de dados na administração pública?

Febraban: sem cobrança ou taxação para quem utiliza Pix -  (crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Febraban: sem cobrança ou taxação para quem utiliza Pix - (crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

ANDREA CABELLOProfessora de economia na Universidade de Brasília (UnB)

O principal tema dos noticiários políticos e de parte das redes sociais nos últimos dias foi o monitoramento do Pix pela Receita Federal e a decisão do governo federal de voltar atrás. Muito se falou sobre a pertin­ência da regulamentação, se ela mudava a vida do cidadão comum, se a estratégia de comunicação do governo era adequada, se determinado deputado viralizou... Enfim, a questão assumiu vários ângulos.

Não se falou, entretanto, sobre o propósito e os limites do sigilo das operações de instituições financeiras, o chamado sigilo bancário, regulamentado pela Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Uma leitura atenta da lei mostra preocupação normativa com atividades de poder de polícia do Estado, uma vez que todas as atividades em que a exceção do sigilo se aplica são focadas em atividades de fiscalização e monitoramento. Esse, inclusive, pareceu ser o caso na situação do Pix e que causou tanto desconforto à sociedade brasileira.

Chama a atenção que nenhuma das exceções previstas na lei relaciona-se com a provisão (eficiente) de serviços públicos. Hoje, com o avanço da digitalização e o big data, qualquer grande empresa utiliza de seus dados para conhecer melhor seus clientes, melhorar seus processos, cortar seus custos — enfim, tornar mais eficientes os serviços.

Com os serviços públicos, não deveria ser diferente. Você nasce, é registrado no cartório e recebe um CPF. Logo, o governo sabe quando você vai precisar de vaga em uma creche e deveria se preparar para isso. Dali a alguns anos, você vai entrar na escola e deveria ter uma vaga esperando por você perto da sua casa. Em alguns estados, as secretarias de Saúde já entram em contato com os pais para avisar que os filhos devem ser levados para tomar vacinas. Afinal, elas também têm informações de quantas vacinas devem estar disponíveis para crianças naquela faixa etária.

O governo não precisa esperar você demandar o serviço para se preparar, se tiver informações. Isto é: pode se planejar com antecedência. Com isso, tentamos evitar faltas de vagas e serviços inadequados. E ele tem esses dados, mas muitas vezes esses dados ficam retidos em um órgão específico, que não compartilha com os outros por motivos legais, operacionais e até culturais. Claro que tudo isso tem que ser dentro dos limites da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O Brasil tem avançado muito nos últimos anos e, por isso, nossos serviços digitais têm melhorado muito. Mas há gargalos importantes.

E o que isso tem a ver com a história do monitoramento do Pix? Um exemplo de como a permissão de compartilhamento de dados permite melhor provisão de serviços vem do próprio setor bancário com a possibilidade de open banking, em que você, de forma voluntária, permite que um banco compartilhe informações com outro banco, facilitando que as ofertas de serviços sejam customizadas e mais bem adequadas à sua realidade.

Nesse sentido, não seria hora de se debater de forma qualificada como ocorre o compartilhamento de dados na administração pública? Em outras palavras, em vez de em momentos de urgência e na base de portarias revogadas impor limites a questões que são permitidas por leis, refletir sobre o que deveria ser permitido e o que não deveria ser permitido de verdade? O que, por que, entre quem e para quê?

Essa discussão é bastante incipiente, com alguns possíveis conflitos ainda entre a Lei de Acesso à Informação (LAI), a LGPD e outros normativos, entre os princípios de transparência e proteção de dados e a incerteza acerca de em que tipo de informações realmente cabe privacidade: meu CPF é público? Minha renda também? E se eu for servidora pública, já que isso se torna despesa pública? E o meu histórico de saúde? São questões que a lei começou a definir, mas ainda há inconsistências importantes que impedem que certos serviços façam uso de dados já existentes na administração pública, que estão em poder de outros órgãos e não podem ser compartilhados dentro do próprio governo por falta de normatização adequada.

Essa discussão vale para o sigilo bancário e para outros: sigilo estatístico, sigilo fiscal e sigilo funcional, por exemplo. Nós já coletamos todas essas informações. Usá-las somente para fiscalizar é uma visão restrita de Estado. Não é à toa que a sociedade fica desconfortável com o compartilhamento. O Estado precisa mostrar o valor de uso dessas informações com serviços de qualidade. Você já compartilha seus dados voluntariamente com o Facebook, o Instagram e outras redes sociais. E lá você entende que recebe algo em troca.

 

Opinião
postado em 19/01/2025 06:00 / atualizado em 19/01/2025 09:21
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