
A sensação é de alma lavada, sem mencionar a questão política. É moral mesmo. O filme Ainda estou aqui trouxe de volta o gostinho da vitória e levantou a autoestima de um país inteiro. Tudo começou em setembro do ano passado, quando Murilo Hauser e Heitor Lorega ganharam o prêmio de melhor roteiro por Ainda estou aqui no Festival de Veneza, na Itália. No dia 6, Fernanda Torres venceu o Globo de Ouro, na categoria Melhor Atriz.
Na terra dos ianques, Fernanda Torres leva o jeitinho brasileiro por onde passa. No programa Jimmy Kimmel Live!, ela contou, com muito bom humor, que foi barrada no aeroporto porque estava com a estatueta premiada. Em grande estilo, imitou o segurança, usou a ginga brasileira e fez a plateia rir muito. Dias antes, ao conceder uma entrevista coletiva, a atriz recebeu aplausos dos jornalistas que foram entrevistá-la. Impressionante.
Assim, com categoria, o Brasil que vem de uma longa maré de dificuldades vê o mundo reverenciar a nossa arte. A qualidade e a competência são elogiadas e reconhecidas. Algo inesperado para um país e um povo que se acostumaram a não vencer, exceto com os ouros, as pratas e os bronzes das Olimpíadas. Agora é diferente, porque o "sotaque" brasileiro está no exterior: "Natal de alcinha e praia", "abrir a casa para receber os amigos", a pelada da rua que reúne a meninada, sem preconceito, e as piadas de duplo sentido...
O título de Fernanda Torres fez o Brasil comemorar igual final de Copa do Mundo e conquista de ouro nas Olimpíadas. Uma verdadeira loucura. Selton Mello não deixou por menos. Lá está em Hollywood, contracenando com Jack Black e Paul Rudd, um espetáculo. O diretor Walter Salles é elogiado por sua sensibilidade e sutileza ao retratar um momento tão duro do Brasil sem deixar de lado o humor e a irreverência. Aos poucos, a sensação de vitória segue além dessas conquistas — e das que virão. Afinal, tem ainda o Critics Choice Awards e Sattellite em que Ainda estou aqui concorre a melhor filme estrangeiro.
Para o Oscar, muitas expectativas, porque as indicações vão até o dia 23. Então, pode ser de melhor atriz a melhor filme, roteiro, direção e assim vai...No Bafta, premiação britânica, a disputa é com mais quatro estrangeiros. Há 26 anos, uma produção nacional não recebia tantas indicações, a última foi com Central do Brasil, em 1998. Na ocasião, o gostinho de vitória foi adiado.
Do nosso lado, com ou sem mais um troféu, o podium é nosso. Já vencemos. Superamos a pecha de "latinos" no país de Donald Trump que retrocede ao perseguir os imigrantes e construir barreiras na fronteira com o México, como se os Estados Unidos da América, colonizados pelos britânicos, não tivessem sido construídos também por outros estrangeiros. Muito diferentes de nós que, por aqui, amamos os gringos e integramos os imigrantes em tudo, adaptando o quibe, o sushi, a pizza e até a bacalhoada. Por essas e por outras, o "jeitinho brasileiro", que lá atrás ficou conhecido por Sérgio Buarque de Hollanda como uma certa malandragem, é muito mais do que isso.