
HENRIQUE FROTA — Diretor Executivo do Instituto Pólis
As chuvas intensas que marcam o início do ano têm se tornado uma trágica rotina no Brasil, trazendo à tona a fragilidade das cidades diante dos eventos climáticos extremos. De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), nos últimos dez anos, 93% dos municípios brasileiros foram atingidos por desastres naturais que levaram à declaração de emergência ou estado de calamidade pública, especialmente devido a tempestades, inundações, enxurradas e alagamentos.
Esses eventos não são isolados nem imprevisíveis. A mudança do clima tem intensificado a frequência e a severidade das chuvas, evidenciando a urgência de medidas de adaptação climática que promovam não só mais resiliência, mas enfrentem as desigualdades estruturais da sociedade brasileira.
No Brasil, a vulnerabilidade é agravada por questões históricas que moldaram os territórios, empurrando parcela significativa da população — majoritariamente pobre e negra — para áreas de risco. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 8,2 milhões de pessoas vivem em áreas suscetíveis a desastres naturais no país. Essas regiões, frequentemente habitadas por populações de baixa renda, carecem de infraestrutura adequada, como sistemas de drenagem eficientes e contenção de encostas. O resultado é devastador: vidas perdidas, famílias desabrigadas e um ciclo de reconstrução que consome recursos públicos e privados.
Os impactos econômicos desses eventos extremos são gigantescos. Estimativas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) apontam que os desastres naturais provocaram prejuízos superiores a R$ 12 bilhões nos últimos anos. Além das perdas materiais, há custos indiretos, como a interrupção de atividades produtivas, danos à agricultura e o aumento de despesas com saúde pública devido à proliferação de doenças relacionadas às enchentes.
No entanto, os prejuízos humanos são ainda mais difíceis de mensurar. Cada número nas estatísticas representa uma história interrompida, um lar destruído, um futuro incerto. Episódios como as enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, evidenciam a urgência de políticas públicas efetivas.
É preciso reconhecer que a crise climática é um desafio global, mas seus efeitos se manifestam de forma local. Enquanto não houver um compromisso sólido com a redução das emissões de gases de efeito estufa e o cumprimento das metas do Acordo de Paris, eventos climáticos extremos continuarão a se intensificar, cobrando um preço alto de comunidades vulneráveis. A responsabilidade, portanto, deve ser compartilhada entre todos os níveis federativos.
A gestão das cidades precisa urgentemente incorporar a adaptação e a resiliência climáticas como prioridade. Isso envolve investimentos em infraestrutura, aumento de áreas verdes e permeáveis, melhora dos sistemas de prevenção e resposta emergencial, melhor gestão do solo para promoção da função socioambiental da propriedade, dentre outras medidas que demandam profundas mudanças. É essencial prevenir, integrando políticas habitacionais que ofereçam alternativas seguras para as populações em situação de vulnerabilidade.
Outro ponto central é o fortalecimento da cooperação entre os diferentes níveis de governo e a sociedade civil. A gestão de desastres exige coordenação, desde a prevenção até a resposta emergencial. Planos municipais de redução de riscos e da adaptação climática devem ser articulados com políticas estaduais e federais, garantindo recursos e ações integradas. Além disso, a participação da população nas decisões pode gerar soluções mais eficazes e adaptadas às realidades locais. No entanto, o que temos visto ainda é uma abordagem tecnocrática e incapaz de desagradar as velhas forças que concentram o poder sobre a gestão do solo.
Em um país com histórico de secas e sob ameaça de insegurança hídrica, as chuvas deveriam ser motivo de celebração. No entanto, elas se tornaram sinônimo de destruição e sofrimento. Cabe a nós, como sociedade, exigir uma nova abordagem, que valorize a vida humana e reconheça a importância de construir cidades resilientes e inclusivas. Só assim poderemos transformar a recorrente tragédia das chuvas em uma oportunidade de reconfigurar as relações territoriais para promover justiça.