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Uma lei para regular fintechs e inibir golpes no Pix

O desenvolvimento de novas tecnologias tem sido crucial para melhorar o ambiente econômico, desburocratizar processos e serviços, agilizar a solução de problemas e facilitar a vida das pessoas

Golpe das tarefas, do falso presente, da falsa central de atendimento, são muitas as modalidades de fraudes por Pix -  (crédito: BBC Geral)
Golpe das tarefas, do falso presente, da falsa central de atendimento, são muitas as modalidades de fraudes por Pix - (crédito: BBC Geral)

KIKO CELEGUIM — Deputado federal e presidente estadual do PT-SP

A abertura e a movimentação de contas "laranjas" têm sido um grande problema no combate à criminalidade digital. Segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 16 segundos, uma pessoa é vítima de golpe financeiro por aplicativo de celular. São R$ 190 bilhões por ano faturados pelas quadrilhas com os crimes digitais, 40% mais dinheiro que os R$ 138 bilhões investidos na segurança pública por União, estados e municípios. E o prejuízo das pessoas acima de 60 anos é quatro vezes maior.

A trilha dos golpes passa sempre pelo mesmo ponto: as contas em nome de "laranjas" para receber os recursos desviados. Isso mostra que falta ao país uma legislação para combater esse elo fraco, um verdadeiro convite às quadrilhas digitais.

É importante ressaltar que o desenvolvimento de novas tecnologias tem sido crucial para melhorar o ambiente econômico, desburocratizar processos e serviços, agilizar a solução de problemas e facilitar a vida das pessoas. A adesão ao Pix no Brasil comprova que temos um povo propenso a incorporar e impulsionar inovações tecnológicas, afinal, desde que foi criada, a modalidade só cresce. Hoje, são 156 milhões usando o Pix, e a Febraban estima expansão de 58,8% em relação a 2023, movimentando R$ 27,3 trilhões. 

Mas à medida que vira a principal ferramenta de transferências de dinheiro e pagamentos, o Pix se transforma também num mecanismo de facilitação a fraudes e golpes. O relatório Scamscope, parceria da ACI Worldwide com a GlobalData, revela que as perdas com golpes via Pix devem superar R$ 3,8 bilhões até 2027. Os crimes cometidos via "bets" contam com "laranjas" para a distribuição do dinheiro sujo.

Golpe das tarefas, do falso presente, da falsa central de atendimento, são muitas as modalidades de fraudes por Pix. Para se ter uma ideia, há fraudes que envolvem até a burla aos mecanismos de controle via biometria facial, a partir da captura indesejada de rostos para posterior uso criminoso. 

O ponto de convergência é sempre uma conta "laranja". Se o advento das fintechs proporciona facilidade, agilidade, maior competição e menor custo nas operações, também tem aberto as portas às quadrilhas digitais. As instituições financeiras estão submetidas à Lei Bancária (Lei nº 4.595), que fixa regras e prevê fiscalização do Banco Central. Mas fintechs que atuam como meio de pagamento, por exemplo, dizem não se enquadrar nesse regramento. É o ambiente ideal para o cometimento e acobertamento dos golpes. O objetivo é desburocratizar o processo, mas o saldo fica negativo, com aumento da exposição ao risco de usuários — e do sistema. 

É como comprar um carro sem itens essenciais como parachoque, airbag e cinto de segurança. O valor é mais baixo, mas na primeira colisão, crescem assustadoramente as chances de vitimar o condutor e outras pessoas. 

A solução está nas mãos do Congresso Nacional. O Projeto de Lei 3.545/2024, de minha autoria com o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), aguarda a escolha de um relator. Entre outros avanços, o texto altera a Lei Bancária para ampliar a proteção ao consumidor e inibir fraudes, ao incluir no rol de instituições financeiras atores do novo ecossistema que se formou com as fintechs. 

O projeto aprimora a fiscalização do BC, com as políticas de know your costumer (do inglês conheça seu cliente). A prática é cediça nos EUA, país que tem vasta rede de instituições financeiras, com mais de 4.000 delas. O know your costumer surgiu após o atentado do 11 de setembro, quando o país identificou as facilidades de abertura de contas e movimentação de recursos operados por terroristas. 

As exigências do projeto buscam a segurança de clientes e do sistema, com práticas básicas de identificação do titular. Hoje, a abertura de contas em fintechs pode ocorrer sem documentação comprovada e sem checagem mínima das informações. É um prato cheio para abrir contas "laranjas". 

Assim, perde-se a capacidade de rastreamento do dinheiro quando ele chega a essas contas, prejudicando, inclusive, o trabalho investigativo e a adoção de medidas para sufocar financeiramente esquemas criminosos. Hoje, a responsabilização das fintechs só tem ocorrido pela via judicial, quando boa parte do estrago já foi feito. Um processo caro e moroso, que aumenta a sobrecarga dos juízes. É preciso atuar preventivamente.  

Não se pode alegar que é aceitável ampliar os riscos e prejuízos em nome de menos burocracia ou custo. As regras da política know your costumer, já adotadas por grandes bancos, trazem maior confiabilidade ao ecossistema das fintechs e ao setor financeiro todo. Serve inclusive de proteção às soluções e inovações tecnológicas. Temos amplas condições de melhorar esse ambiente sem que isso signifique obstáculos ao estímulo e desenvolvimento das atividades financeiras. Aprovar o projeto é mais que uma necessidade, é um dever. 

Kiko Celeguim - Opinião
postado em 22/01/2025 06:00
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