Artigo

Democracia em xeque

Trump parece jogar para a sua claque, sob o argumento de que a liberdade de expressão não pode ser tolhida ou obstaculizada. Ao mesmo tempo, despreza a Justiça de seu próprio país, ao ignorar os graves crimes cometidos por seus simpatizantes, os quais ele chamou de "reféns"

Presidente Donald Trump assinou primeiros decretos presidenciais na Arena Capital One após discurso para apoiadores
       -  (crédito: ANGELA WEISS / AFP)
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Presidente Donald Trump assinou primeiros decretos presidenciais na Arena Capital One após discurso para apoiadores - (crédito: ANGELA WEISS / AFP)
Donald Trump está de volta. Empoderado pelo voto e pela impunidade, o republicano não perdeu tempo para demonstrar a falta de qualquer apreço pela democracia. Em uma canetada, concedeu perdão a quase 1,5 mil arruaceiros que invadiram o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, em uma ação que deixou cinco mortos. O homem acusado de tentar subverter as eleições de 2020, depois de ser derrotado pelo democrata Joe Biden, retornou à Casa Branca sabe-se lá como. Pelo que tudo indica, serão quatro anos de extrema tensão para o planeta.

Trump prometeu retomar o Canal do Panamá, mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América e impor uma guerra tarifária a outros países. Para o êxtase de seus asseclas bilionários, como Elon Musk, Jeff Bezos e Zuckerberg, o homem mais poderoso do mundo avisou que começou, na segunda-feira, uma "era de ouro" para os Estados Unidos e anunciou a retirada do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Também ordenou ao governo que considere a existência unicamente dos gêneros masculino e feminino. Uma aberração completa capaz de jogar as pessoas transgênero dos Estados Unidos no limbo, sem acesso a documentos básicos, como passaporte, e a cuidades de saúde. 

Mas é a libertação dos vândalos invasores do Capitólio que parece representar golpe de morte na democracia. É a completa normalização do absurdo e do descalabro, pois equivale a considerar como algo aceitável que uma horda de fanáticos ataquem um prédio público, na tentativa de impedir que os congressistas certifiquem a vitória do candidato opositor — no caso, Joe Biden. Ao assinar o decreto e soltar imediatamente os condenados pelo 6 de janeiro de 2021, Trump parece jogar para a sua claque, sob o argumento de que a liberdade de expressão não pode ser tolhida ou obstaculizada. Ao mesmo tempo, despreza a Justiça de seu próprio país, ao ignorar os graves crimes cometidos por seus simpatizantes, os quais ele chamou de "reféns". 

Trump abre um precedente perigoso. Escancara as portas para que manifestantes, no futuro, contestem os resultados das urnas com violência e barbárie. Os Estados Unidos, que se consideram uma espécie de farol da democracia, acabam de colocar em xeque o direito de escolha de uma maioria. A invasão ao Capitólio vai além de uma massa de fanáticos irrompendo a sede do Legislativo. É uma agressão aberta e gratuita ao Estado de Direito. Pela Constituição, Trump não pode ter um terceiro mandato. Imagino o que ocorrerá em 20 de janeiro de 2028, quando for o momento de ele deixar a Casa Branca. 

Rodrigo Craveiro
postado em 22/01/2025 06:00