Opinião

Falha estrutural no combate à violência contra os trans

Especialistas avaliam que impera no país uma espécie de exclusão dos sistemas de proteção do Estado, o que favorece a sensação de impunidade aos crimes cometidos contra trans e travestis

A cada três dias de 2024, uma pessoa trans ou travesti foi assassinada, em média, no Brasil. Crimes, na maioria dos casos, com “requintes de crueldade” e praticados em espaços públicos. Para qualquer um ver, evidenciando um histórico de preconceito e violência tão enraizado na sociedade brasileira que consolida o país em vergonhosa liderança mundial. O Brasil é o que mais mata transexuais no mundo há 16 anos consecutivos, sem ter conseguido, no período, desenvolver medidas que, de fato, reduzissem a violência em todas as suas formas e promovessem a inclusão dessa comunidade.

Os dados fazem parte da versão mais recente do relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado nesta segunda. Houve uma queda no assassinato de pessoas trans e travestis em relação a 2023, 122 contra 145, mas sem alterar siginificativamente o fluxo de oscilações contabilizado na última década pela entidade — o menor número foi o de 2015 (118) e o maior o de 2017 (181). Há de se considerar que a falta de notificação e o despreparo dos agentes de segurança para lidar com os casos escondem os reais números da violência contra essa população.

Os números do relatório da Antra sinalizam nesse sentido. Segundo a entidade, a unidades da Federação com os maiores índices de assassinato são também onde existem mais resistência à implementação de políticas públicas que assegurem o respeito aos direitos de trans e travestis. São Paulo lidera o ranking de 2024 com 16 casos, seguido de Minas Gerais (12), Ceará (11) e Rio de Janeiro (10). Todos esses estados estão no topo dos últimos cinco relatórios divulgados. O DF tem um caso citado no documento mais recente. O assassinato, porém, se  deu dentro da penitenciária Papuda, local em que o Estado tem por obrigação garantir a integridade física e moral de seus ocupantes.

Especialistas avaliam que impera no país uma espécie de exclusão dos sistemas de proteção do Estado, o que favorece a sensação de impunidade aos crimes cometidos. Nesse contexto, é de se comemorar o aumento das denúncias de violência contra a população trans recebidas pelo Disque 100 em 2024. O número é 45% maior que o do ano anterior e tem como grande impulsionador as mudanças na metodologia adotadas pelo governo Lula — a gestão Bolsonaro excluiu a categoria "identidade de gênero" nos registros.  É, porém, apenas um avanço diante de toda uma estrutura que impede que trans e travestis sejam tratados como cidadãos de direito, com porta-vozes ocupando, inclusive, as tribunas do poder.

Também ressoam sem desembaraços os discursos transfóbicos por outras partes do continente. Donald Trump parece estar em uma cruzada contra a comunidade — ordenou, no primeiro dia de mandato, que o governo passasse a reconhecer apenas dois gêneros. Na mesma linha, Javier Milei, na Argentina, prepara um projeto de lei para acabar com documentos de identidade não binários, entre outros descalabros.

É indiscutível a influência desses líderes para a intensificação dos discursos de ódios para além dos territórios em que dirigem. Até porque suas gestões parecem contar com o apoio de ícones da tecnologia, como sinaliza a presença em massa dos CEOs das big techs na posse recente de Trump. Em um momento em que o governo brasileiro insiste tanto, acertadamente, na defesa da democracia, é preciso também que dê o exemplo. Um dos pilares do regime democrático é a proteção dos direitos das minorias. Com relação à comunidade trans e travesti, o Brasil acumula falhas e omissões.

 

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postado em 28/01/2025 13:37 / atualizado em 28/01/2025 13:37
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